23 setembro 2014

“Por que sou católico” – G. K. Chesterton sobre a Igreja, as igrejas, o fundamentalismo religioso, as ciências…




Texto de G. K. CHESTERTON

A DIFICULDADE em explicar “Por que eu sou Católico” é que há dez mil razões para isso, todas se resumindo a uma única: o catolicismo é verdadeiro. Para falar da Igreja Católica eu poderia preencher todo o meu espaço com sentenças separadas, todas começando com as palavras “é a única que…”.

Como por exemplo, a Igreja Católica é a única queprevine um pecado de se tornar um segredo; é a única que fala como um mensageiro que se recusa a alterar a verdadeira Mensagem; é a única que assume a grande tentativa de mudar o mundo desde dentro; usando a vontade e não as leis…

Ou posso tratar o assunto de forma pessoal e descrever minha própria conversão. Acontece que tenho uma forte impressão de que esse método faz a coisa parecer muito menor do que realmente é. Homens muito mais importantes, em muito maior número, se converteram a religiões muito piores. Preferiria tentar dizer, aqui, coisas a respeito da Igreja Católica que não se podem dizer o mesmo nem sobre suas mais respeitáveis rivais. Em resumo, diria apenas que a Igreja Católica é católica. Preferiria tentar sugerir que ela não é somente maior do que eu, mas maior que qualquer coisa no mundo; que ela é realmente maior que o mundo. Mas, como neste pequeno espaço disponho apenas de uma pequena seção, abordarei sua função como guardiã da Verdade.

Outro dia, um conhecido escritor, muito bem informado em outros assuntos, disse que a Igreja Católica é uma eterna inimiga das novas ideias. Provavelmente não ocorreu a ele que esta observação, que ele próprio fez, não é exatamente nova: é uma daquelas noções que os católicos têm que refutar continuamente, porque é uma ideia muito antiga.

Na realidade, aqueles que reclamam que o catolicismo não diz nada novo, raramente pensam que talvez seja necessário dizer alguma coisa nova sobre o catolicismo. De fato, o estudo real da História mostra que os católicos sempre sofreram, e continuam sofrendo continuamente por apoiarem ideias realmente novas; desde quando elas eram muito novas para encontrar alguém que as apoiasse. O católico foi não só o pioneiro na área, mas o único; até hoje não houve ninguém que compreendesse o que realmente se tinha descoberto lá, naquele tempo (na origem do cristianismo).

Mas não apenas aí. São muitos os exemplos que se poderiam citar. Assim, por exemplo, quase duzentos anosantes da Declaração de Independência e da Revolução Francesa, numa era devotada ao orgulho e ao louvor dos príncipes, o Cardeal Bellarmine, juntamente com Suarez, o Espanhol, formularam lucidamente toda a teoria da democracia real. Mas naquela era do Direito Divino, eles somente produziram a impressão de serem jesuítas sofisticados e sanguinários, insinuando-se com adagas para assassinarem os reis. Então, novamente, os casuístas das escolas católicas disseram tudo o que pode ser dito e que constam de nossas peças e romances atuais, duzentos anos antes de eles serem escritos. Eles disseram que há sim problemas de conduta moral, mas eles tiveram a infelicidade de dizê-lo muito cedo, cedo de dois séculos. Num tempo de extraordinário fanatismo e de uma vituperação livre e fácil, eles foram simplesmente chamados de mentirosos e trapaceiros por terem sido psicólogos antes da psicologia se tornar moda.

Seria fácil dar inúmeros outros exemplos, e citar o caso de ideias ainda muito novas para serem compreendidas. Há passagens da Encíclica do Papa Leão XIII sobre o trabalho (Rerum Novarum, 1891) que somente agora estão começando a ser usadas como sugestões para movimentos sociais muito mais novos do que o socialismo. E quando o Sr. Belloc escreveu a respeito do Estado Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão original que quase ninguém ainda percebeu do que se trata. Então, quando os católicos apresentam objeções, seu protesto será facilmente explicado pelo conhecido fato de que católicos nunca se preocupam com ideias novas…

Contudo, o homem que fez essa observação sobre os católicos quis dizer algo; e é justo fazê-lo compreender muito mais claramente o que ele próprio disse. O que ele quis dizer é que, no mundo moderno, a Igreja Católica é, – isto sim, – uma inimiga de muitas modas influentes; muitas delas ainda se dizem novas, apesar de algumas delas começarem a se tornar um pouco decadentes. Em outras palavras, se alguém disser que a Igreja frequentemente ataca o que o mundo, em cada era, apóia, aí está perfeitamente certo. A Igreja sempre se coloca contra as modas passageiras do mundo, e ela tem experiência suficiente para saber quão rapidamente as modas passam. Mas para entender exatamente o que está envolvido, é necessário tomarmos um ponto de vista mais amplo e considerar a natureza última das ideias em questão; considerar, por assim dizer, a ideia da ideia.

Nove dentre dez do que chamamos novas ideias são simplesmente erros antigos. A Igreja Católica tem como uma de suas principais funções prevenir que os indivíduos cometam esses velhos erros; de cometê-los repetidamente, como eles fariam se deixados “livres”. A verdade sobre a atitude católica frente à heresia, ou como alguns diriam, frente à “liberdade”, pode ser mais bem expressa utilizando-se a metáfora de um mapa. A Igreja Católica possui uma espécie de mapa da mente que parece um labirinto, mas que é, de fato, um guia para o labirinto. Ele foi compilado a partir de um conhecimento que, mesmo se considerado humano, não tem nenhum paralelo humano.

Não há nenhum outro caso de uma instituição inteligente e contínua que tenha pensado sobre o pensamento por dois mil anos. Sua experiência cobre naturalmente quase todas as experiências; e especialmente quase todos os erros. O resultado é um mapa no qual todas as ruas sem saída e as estradas ruins estão claramente marcadas, bem como todos os caminhos que se mostraram sem valor, pela melhor de todas as evidências: a evidência daqueles que os percorreram.

Nesse mapa da mente, os erros são marcados como exceções. A maior parte dele consiste de playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está eternamente aberta e indefinida. Mas o mapa definitivamente se responsabiliza por fazer certas estradas se dirigirem ao nada ou à destruição, a um muro ou ao precipício. Assim, ele evita que os homens percam repetidamente seu tempo ou suas vidas em caminhos sabidamente fúteis ou desastrosos, e que podem atrair viajantes novamente no futuro. A Igreja se faz responsável por alertar seu povo contra eles; e disso a questão real depende. Ela dogmaticamente defende a humanidade de seus piores inimigos, daqueles grisalhos, horríveis e devoradores monstros dos velhos erros.

Agora, todas essas falsas questões têm uma maneira de parecer novas em folha, especialmente para uma geração nova em folha. Suas primeiras afirmações soam inofensivas e plausíveis. Darei apenas dois exemplos. Soa inofensivo dizer, como muitos dos modernos dizem: “As ações só são erradas se são más para a sociedade”. Siga essa sugestão e, cedo ou tarde, você terá a desumanidade de uma colmeia ou de uma cidade pagã, o estabelecimento da escravidão como o meio mais barato ou mais direto de produção e a tortura dos escravos pois, afinal, o indivíduo não é nada para o Estado: e assim surge a declaração de que um homem inocente deve morrer pelo povo, como fizeram os assassinos de Cristo.

Então, talvez, voltaremos às definições da Igreja Católica e descobriremos que a Igreja, ao mesmo tempo que diz que é nossa tarefa trabalhar para a sociedade, também diz outras coisas que proíbem a injustiça individual. Ou novamente, soa muito piedoso dizer: “Nosso conflito moral deve terminar com a vitória do espiritual sobre o material”. Siga essa sugestão e você terminará com a loucura dos maniqueus, dizendo que um suicídio é bom porque é um sacrifício, que a perversão sexual é boa porque não produz vida, que o demônio fez o sol e a lua porque eles são materiais. Então, você pode começar a adivinhar a razão de o cristianismo insistir que há espíritos maus e bons; que a matéria também pode ser sagrada, como na Encarnação ou na Missa, no Sacramento do matrimônio e na ressurreição da carne.

Não há nenhuma outra mente institucional no mundo pronta a evitar que as mentes errem. O policial chega tarde, quando tentar evitar que os homens cometam erros. O médico chega tarde, pois ele apenas chega para examinar o louco, não para aconselhar o homem são a como não enlouquecer. E todas as outras seitas e escolas são inadequadas para esse propósito. E isso não é porque elas possam não conter uma verdade, mas precisamente porque cada uma delas contém uma verdade; e estão contentes por conter uma verdade. Nenhuma delas pretende conter a Verdade. A Igreja não está simplesmente armada contra as heresias do passado ou mesmo do presente, mas igualmente contra aquelas do futuro, que podem estar em exata oposição com as do presente. O catolicismo não é ritualismo; ele poderá estar lutando, no futuro, contra algum tipo de exagero ritualístico supersticioso e idólatra. O catolicismo não é ascetismo; repetidamente, no passado, reprimiu os exageros fanáticos e cruéis do ascetismo. O catolicismo não é mero misticismo; ele está agora mesmo defendendo a razão humana contra o mero misticismo dos pragmatistas.

Assim, quando o mundo era puritano, no século XVII, a Igreja era acusada de exagerar a caridade a ponto da sofisticação, por fazer tudo fácil pela negligência confessional. Agora que o mundo não é puritano, mas pagão, é a Igreja que está protestando contra a negligência da vestimenta e das maneiras pagãs. Ela está fazendo o que os puritanos desejariam fazer, quando isso fosse realmente desejável. Com toda a probabilidade, o melhor do protestantismo somente sobreviverá no catolicismo; e, nesse sentido, todos os católicos serão ainda puritanos quando todos os puritanos forem pagãos.

Assim, por exemplo, o catolicismo, num sentido pouco compreendido, fica fora de uma briga como aquela do darwinismo em Dayton. Ele fica fora porque permanece, em tudo, em torno dela, como uma casa que abarca duas peças de mobília que não combinam. Não é nada sectário dizer que ele está antes, depois e além de todas as coisas, em todas as direções. Ele é imparcial na briga entre os fundamentalistas e a teoria da origem das espécies, porque ele se funda numa Origem anterior àquela origem; porque ele é mais fundamental que o fundamentalismo. Ele sabe de onde veio a Bíblia. Ele também sabe aonde vão as teorias da evolução. Ele sabe que houve muitos outros evangelhos além dos Quatro Evangelhos, e que eles foram eliminados somente pela autoridade da Igreja Católica. Ele sabe que há muitas outras teorias da evolução além da de Darwin; e que a última será sempre eliminada pela novíssima teoria da ciência mais recente. Ele não aceita, convencionalmente, as conclusões da ciência, pela simples razão de que a ciência ainda não chegou a uma conclusão. Concluir é se calar; e o homem de ciência dificilmente se calará. Ele não acredita, convencionalmente, no que a Bíblia diz, pela simples razão de que a Bíblia não diz nada. Você não pode colocar um livro no banco das testemunhas e perguntar o que ele quer dizer.

A própria controvérsia fundamentalista se destrói a si mesma. A Bíblia por si mesma não pode ser a base do acordo quando ela é a causa do desacordo; não pode ser a base comum dos cristãos quando alguns a tomam alegoricamente e outros literalmente. O católico se refere a algo que pode dizer alguma coisa, para a mente viva, consistente e contínua da qual tenho falado; a mais alta consciência do homem guiado por Deus.

Cresce a cada momento, para nós, a necessidade moral por tal mente imortal. Devemos ter alguma coisa que suportará os quatro cantos do mundo, enquanto fazemos nossos experimentos sociais ou construímos nossas utopias. Por exemplo, devemos ter um acordo final, pelo menos em nome do truísmo da irmandade dos homens, que resista a alguma reação da brutalidade humana. Nada é mais provável, no momento presente, que a corrupção do governo representativo solte os ricos de todas as amarras e que eles pisoteiem todas as tradições com o mero orgulho pagão. Devemos ter todos os truísmos, em todos os lugares, reconhecidos como verdadeiros. Devemos evitar a mera reação e a temerosa repetição de velhos erros. Devemos fazer o mundo intelectual seguro para a democracia. Mas na condição da moderna anarquia mental, nem um nem outro ideal está seguro. Tal como os protestantes recorreram à Bíblia contra os padres, porque estes podem ser questionados, e não perceberam que a (sua interpretação particular da) Bíblia também poderia ser questionada, assim também os republicanos recorreram ao povo contra os reis e não perceberam que o povo também podia ser desafiado.

Não há fim para a dissolução das idéias, para a destruição de todos os testes da verdade, situação tornada possível desde que os homens abandonaram a tentativa de manter uma Verdade central e civilizada, de conter todas as verdades e identificar e refutar todos os erros. Desde então, cada grupo tem tomado uma verdade por vez e gastado tempo em torná-la uma mentira. Não temos tido nada, exceto movimentos; ou em outras palavras, monomanias. Mas a Igreja não é um movimento e sim um lugar de encontro, um lugar de encontro para todas as verdades do mundo.

De: bibliacatolica.com.br




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