29 fevereiro 2016

A comovente história de uma católica que não pode anunciar sua fé no seu país



 
Quiçá é a única católica daguestanesa: de família muçulmana, bautizou-se depois de ler a Victor Hugo
O portal católico ruso Ruskatolik.rf publicou uma história acerca da insólita fé católica de uma jovem de origem muçulmana da república russa de Daguestão, zona do Cáucaso entre a Chechênia e o Mar Cáspio, donde 83% da população se declara muçulmana e os cristãos, quase todos ortodoxos o pentecostais, não chegam nem a 3%. O portal não mostra a foto nem o nome da mulher por razões de segurança. é uma historia que demonstra que Deus toca almas donde quer e como quer... e mais em um mundo globalizado.

- Você é uma católica do Daguestão. Por se só este féto é assombroso. Há mais católicos em sua família?
- Não, nem católicos nem cristãos de outras denominações. Nunca houve cristãos em minha família.

- Qual foi a reação de seus parentes? Tentaram detê-la antes de batizar-se n a Igreja Católica?
- Antes de batizar-me, durante três anos estudei por minha conta o catolicismo. Minha mãe sabia dos estudos, mas não de meu batismo. Nem tampouco das visitas à igreja. Nunca haveria sabido mas por casualidade alguém comentou algo. Tivemos uma conversa muito dura para ambas. Me preguntou se era possível dar marcha a ré, lhe disse que não e lhe expliquei o significado do selo batismal. Desde então não voltamos  ao tema, mas sei que voltaremos a falar. Sobre os obstáculos... Nem falar de pedir permissão a minha mãe para ir  ao templo, claro! Vou secretamente.

- Pode-se dizer que você é uma católica conversa do islã?
- Prefiro dizer que não. Nunca confessei o islã com o coração e com a razão, embora formalmente vivesse segundo seus usos e costumes tal como se praticam no Daguestão.

O caminho desta jovem vivendo a fé católica em um país onde quase não há católicos é peculiar: começa com um sonho especial sendo criança e avança através do mundo da cultura e do amor pela história e a literatura.

Tudo começou com um sonho
"O passo mais importante em minha história foi um sonho que vi quando tinha 5 anos. Vi uma Mulher com um fardo apertado contra seu peito. Recordo que estive muito tempo chorando de medo por não poder saber o que havia no fardo. Me parecia muito importante. E chorei recordando o sonho durante muitos anos. Até que vi o quadro de Leonardo Da Vinci, a “Madonna Litta”, quando já tinha alguma noção isolada sobre o cristianismo. Entendi que era precisamente a Mulher de meu sonho mas vestida diferente. E então agora já sabia que no fardo que ela sustentava em seu peito estava o Menino: em meus cinco anos isso não havia parecido evidente. Mais tarde compreendi quão importante era e é conhecer a esse Menino".

Victor Hugo, o medieval, o Pai Nosso em latim...
O seguinte passo chegou aos dez anos, através de uma versão russa do musical Notre Dame de París [aquí em YouTube], baseado na famosa novela romântica de Víctor Hugo. A ela a havia cativado a canção "Beche".

 “Não sabia de que era o musical, nada de nada. Só sabia algumas peças da historia: um sacerdote católico que se enamora de uma cigana. Era divertido: todas as meninas de minha idade estavam loucas por Britney Spears ou Enrique Iglesias… Enquanto que eu chorava noites inteiras por um desgraçado sacerdote enamorado e adorava a Viacheslav Petkun que interpretou Quasimodo. Logo vieram as novelas de Víctor Hugo, paixão pelo latim, o gótico, o medieval… e o medieval implica o católico. Algo sobre esta religião sabia, superficialmente. Recordo que quando lia “El hombre que ríe” [o drama de Víctor Hugo de 1869] vi no episódio do naufrágio os protagonistas rezando o “Paternoster”, em latim. Ali estava o texto completo da oração: a copei com amor, a li com amor e a aprendi de memória. Creio que sempre fui católica em meu interior".

Harry Potter e a solista católica
Depois, sendo uma adolescente entusiasta de Harry Potter, e relacionando-se com os grupos de fãs destas novelas, conheceu as caçõesde Lora Bocharova, uma solista muito popular entre atos e entre todos os amantes de histórias medievais, sobre as que geralmente compõem.

"Algo me dizia que não existiam muitas verdades separadas senão uma verdade, refletida nas canções de Lora. Logo me enterrei de que ela era católica. E se me abriram os olhos. Por fim vi onde o Senhor me havia estado levando durante anos. Eu tinha, então 16 anos. Três anos de estudos dos fundamentos da fé me convenceram ainda mais de que havia chegado a um lugar correto, e ao fim de dezembro de 2012 me veio uma Ideia fixa: que devia batizar-me antes do Natal. Decidi que se antes da véspera (me restavam três dias somente) encontraria a uma persona que me pudesse batizar, seria um sinal de que o Senhor me estava apojando em meu propósito. Encontrar no Daguestão uma pessoa que me pudesse batizar católica? Pois sim, apareceu essa pessoa. E me dou conta de que agora é quando vem um turbilhão de emoções, mas hei de dizê-lo por muitas razões. Batizou-me uma menina formalmente batizada como ortodoxa que porém, tomou sua missão com toda seriedade".

"Qualquer pessoa pode batizar"... e assim o fizeram
A falta de melhor contato com o mundo cristão, nossa protagonista e sua colaboradora acudiram diretamente ao Catecismo, parágrafo 1256, onde se lê: "Em caso de necessidade, qualquer pessoa, inclusive não batizada, pode batizar se tem a intenção requerida e utiliza a fórmula batismal trinitária. A intenção requerida consiste em querer fazer o que faz a Igreja ao batizar".

"Ela e eu lemos em o Catecismo da Igreja Católica que em um principio, pode batizar qualquer pessoa consciente de seu ato. Assim que foi um batismo “in extremis” em todos os sentidos", recorda.

Agora seu desafio era participar na vida sacramental: "Como confirmarem, como participar na vida da Igreja, como aceder aos Sacramentos? A questão mais urgente era a da confissão. E naquele momento não podia nem sonhar com a Comunhão. O único templo accessível na cidade era o ortodoxo, mas decidi adiar minha visita ali, porque primeiro tinha que confirmar o batismo em minha Igreja. Logo depois os sacerdotes me orientariam".

Confirmação em Moscou
"Ao final de um meio ano tive a oportunidade de ir a Moscou e a primeira coisa que fiz com minha outra amiga católica foi ir a uma igreja. Na viajem a Moscou decidi deixar de torturar-me com as dúvidas e perguntar a Deus se pelo batismo já pertencia a Sua igreja. Recordei o método de meu santo patrono Francisco e, reunindo ânimos, persignei a Bíblia e a abri rezando, pedindo uma resposta. Não duvidava de que a ia obter. E sim, a recebi. O livro se abriu na Carta a os Romanos 11,25. Nada mais claro…"

Assim, o 10 de junho de 2013, passado meio ano desde seu batismo no Daguestão, recebeu em Moscou três Sacramentos em um só dia: a Confirmação, sua primeira Confissão e sua primeira Comunhão.

Quase a única católica da cidade... e do país
Mas ser católica em uma cidade de Daguestão sem comunidade católica nem sacramentos era complicado. Acudiu à paróquia ortodoxa, falou com o sacerdote responsável e este aceitou encarregar-se de confessá-la de vez em quando. Mas não podia comungar. A ela bastava orar, confessar-se e esperar comungar em algum futuro. Também acudia à liturgia ortodoxa.

"Em um momento dado comecei a desesperar-me, entrando em um estado de alienação e fome espiritual. É um estado que creio que conhece toda pessoa obrigada a resistir longo tempo sem comungar. Ao final não pude resistir mais e depois de preparar-me segundo o rito ortodoxo, passei a comungar na igreja ortodoxa. Naquele templo ninguém sabe, ao menos de momento, que sou católica. E desde então assim é minha vida de sacramentos", confessa.

Em sua cidade não há nenhuma comunidade católica desde o ano 2000. Antes alguns católicos se haviam reunido em um apartamento.

Todas as dificuldades práticas ensinam a esta jovem a fiar-se de Deus. "Essa capacidade de confiar em Deus é o tesouro pelo qual valeu a pena aguenta-lo todo, porque é a chave a outras alegrias muito maiores", assegura.

Uma fé quase clandestina
Não se atreve a anunciar sua fé católica a muitos de seus conhecidos.

"Descobrir aqui minha fé é um grande risco. Quando eres a única católica de toda esta terra, em ti aparece uma responsabilidade quase dos primeiros apóstolos (ri-se). Por uma parte, desejas falar de Cristo. Por outra, tens que cuidar de tua vida. Se me acontece algo, talvez ninguém saberá. Quem se atreveria a predicar a fé católica no Daguestão? E é que antes houve católicos aqui. Pereceram nos ataques de vários invasores ou abraçaram o islã por várias causas. No século XV viveu aqui um franciscano, o irmão Antônio Solpan. Segundo seu segundo nome foi dos caucasianos conversos. Desde então, que eu saiba, a Palavra não cresce aqui".

Mas sim tenho contato com alguns amigos jovens.

"Meus amigos tomaram a notícia de minha fé com tranquilidade, alguns até se alegraram e me felicitaram. Tentei apresentar-lhes a situação em uma forma mais fácil possível: em minha vida apareceu uma Pessoa Amada que gostaria de apresentar-lhes. Se tenho êxito nessa apresentação, não sei, não posso julgar. O único que posso afirmar é que há surgido um grande interesse por um católico vivo, portador de uma fé que para muitos era, em o melhor dos casos, uma palavra vazia, no pior, uma confusão tremenda de desinformação e informação mal apresentada e mal entendida: que perdoam os pecados por dinheiro, que adoram ao Papa, etc. Uma vez encontrei um meme em inglês que explicava em quatro vinhetas os erro mais comuns sobre o catolicismo. Um irmão me aconselhou traduzi-lo, já que o tema era muito atual para a internet russa. A traduzi e colei em meu mural de VKontakte: a reação tem sido impressionante!"

Mas continua a ser quase a única católica que conhece. "Conheci a uma menina da Chechênia que queria batizar-se católica em segredo. Mas agora não tenho contato com ela e não sei dizer se posso cumprir com seu propósito", detalha. A qualquer pessoa em uma situação como a sua se recomenda um clássico: "Ora e labora!", diz rindo.




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