30 setembro 2016

Um ex protestante conta suas dificuldades para acolher a Maria, rezar o Rosário e como as superou





Para alguém que vem do protestantismo, a centralidade da devoção mariana que implica a reza do rosário pode ser uma dificuldade. É o caso de David Michael Phelps, casado, pai de quatro filhos, professor de literatura, produtor de documentários e escritor.
Mas ademais encontrou-se com um obstáculo muito comum a católicos de berço. Recentemente explicou em Crisis Magazine como superou estes impedimentos:

Nestes dezessete anos desde que fui acolhido na igreja minha relação com o rosário tem tido muitos altos e baixos. Todo começou com minhas dificuldades com Maria.

Decidi converter-me ao catolicismo antes de sentir-me plenamente cômodo com a "questão de Maria". (Este é o término educado que a versão protestante de mim mesmo empregou depois de reduzir mi atitude desde um "fortemente suspeita" à mais manejável "incomodamente tolerante"). Como evangélico protestante, só via a Maria no período natalino, e inclusive nesta ocasião não a considerava como algo especial. Ela era algo assim como a prima tímida e distante que aparece somente na ceia de Natal e que se senta em silêncio em um canto da mesa das crianças. Talvez a reconheces, mas não recordas se falou alguma vez com ela.
Quando me convenci da verdade da fé católica e da função protetora da Igreja, estava desejando admitir que meu incômodo com a "questão de Maria" não era motivo para manter-me longe da Eucaristia. Isto se resolverá por si só, me dizia a mim mesmo. E praticamente tem sido assim.

A dificuldade e as frustrações do rosário
Apesar de que a dificuldade inicial com Maria se transformou, nos anos seguintes, em afeto e, posteriormente, em amor, não conseguia rezar tranquilo a rosário.

Intelectualmente entendia os benefícios de seu método e perspectiva. Compreendia que muitos santos o ofereceram como uma maneira preeminente de oração cristã, de crescimento, de afloramento espiritual e de conciliação. Compreendia seu carácter físico, e mais, apreciava muito este aspecto.

Mas apesar de tudo isto, seguia sendo algo que não compreendia totalmente. Como podia dirigir-me a uma pessoa, fazer uma série de invocações, enquanto meditava acerca dos eventos da vida de outra pessoa, sem confundi-las e não prestar atenção a ambas? Sentia como se minha espiritualidade me obrigasse a estar repetindo as vezes na procissão. Minha atenção estava sempre dividida e, por conseguinte, dispersa. Encontrava-me sempre distraído. Ao final optava por deixar o rosário. De usá-lo tão pouco, o rosário que levava no bolso acabou tendo a forma de um nó emaranhado. Uma imagem perfeita de minha vida de oração.

A muitos católicos de berço pode resultar difícil compreender por que a espiritualidade mariana é tão incômoda para os conversos do protestantismo. Mas na velha escola do fundamentalismo, a invocação dos santos e a honra especial outorgada a Maria eram coisas que pertenciam aos contos do bicho papão. Se nos diziam com toda clareza que estes enganos papistas eram erros dos quais os católicos se arrependeriam no inferno durante toda a eternidade. Considerando o ambiente cultural no qual cresci, inclusive quando estas atitudes difamatórias não se explicitavam, é fácil entender por que, apesar de que a mente rechace estes disparates, o coração recorda seus medos de juventude.

Estes foram os obstáculos que durante mais de quinze anos fizeram que o rosário fora para mim uma prática mais não cumprida que observada. Mas recentemente tive três revelações - embaraçosas de tão simples que foram- que me ajudaram, por fim, a entender um pouco o fundamento. E não têm a ver em absoluto com Maria, o com o rosário, nem sequer com a oração em geral. Começam com Cristo.


O caminho que Cristo pisou
Como muitos conversos, inicialmente cheguei à fé católica através do estudo. Gosto de ler, estudar, escrever e falar sobre o Evangelho… todas elas atividades muito mais fácies do que vivê-las. Afinal de contas, ser crítico é muito mais cômodo que estar no cenário. Prefiro não arriscar-me em primeira pessoa. É muito mais fácil escrever palavras acerca da vida cristã que encarnar a Palavra.

Mas a vida cristã não é uma vida de palavras incorpóreas, senão de encarnação. A vida cristã é o Caminho (tomo prestado o tempo de Jesus e de seus primeiros discípulos) e, portanto, as práticas de espiritualidade não são pequenas ilhas de atividade que salpicam o resto de nossas atividades diárias, formando (é o que esperamos) algum tipo de perceptível arquipélago de santidade. Se nos pode que rezemos sempre, o que significa que a vida espiritual é uma infusão, uma saturação. A ortodoxia é inseparável da ortopraxis.

Quando Cristo chamou a seus discípulos não lhes anunciou um planO de salvação e de pureza doutrinal em doze passos. Não, Ele disse: "Venham e vejam" e "Segue-me". Para recalcar o que quero dizer, um modo de dizê-lo agora seria: "Eh, tu, vem aqui. Quero mostrar-te algo".

Quando um rabino se encarregava de seus estudantes, não esperava que eles chegassem e simplesmente escutassem o que lhes tinha que dizer. Esperava-se de eles que observassem como vivia e que começassem a viver assim, que comessem o que ele comia, que se lavassem as mãos como fazia ele. O objetivo de  "segui-lo" era segui-lo imitando tudo o que fazia. O objetivo não era unicamente transferir a informação de sua cabeça para a deles. E isto era ainda mais verdade nos que seguiam ao Verbo Encarnado.

Este principio é verdadeiramente importante quando o aplicamos a nossa oração. Em seu pequeno e magnífico livro o Rosario, Hans Urs von Balthasar escreve que "a oração cristã pode chegar a Deus somente seguindo o caminho que Deus mesmo pisou; em caso contrário, precipita fora do mundo e cai no vazio, presa da tentação de considerar este vazio como Deus ou de considerar a Deus a nada em si mesmo.… o caminho entre Deus e nós tem sido pisado em ambas direções. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida'".

Depois de ler isto me dei conta, pela primeira vez, de que minha oração pessoal não era uma questão de iniciativa pessoal. Era algo totalmente distinto.


A oração é um trabalho de obediência
A oração á, de fato, um trabalho de obediência. O padre Jacques Philippe, em seu comovedor livro Tempo para Deus, nos diz que nunca é boa ideia utilizar nosso desejo pessoal de rezar como uma motivação para rezar (e, por conseguinte, aceitar a reticencia a rezar como uma razão para não fazê-lo). "Ha outro motivo para ir ao encontro de Deus em uma oração mental que é igualmente significativa e muito mais profunda e constante: Ela nos convida a fazê-lo". O que deve ser nosso guia, diz este padre, é "a fé e não… nosso estado de ânimo subjetivo". Rezamos por obediência.

A obediência tem uma má conotação para a mente liberada, como é a sensibilidade protestante (considerem o significado do termo protestante). Ser obediente é, de alguma maneira, tirar pela borda a liberdade e a sinceridade. A obediência é vista como uma situação de poder dentro das relações. Obedecer pode ser melhor que sacrificar-se, mas ambos têm que ser sem esforço e livremente, não?
Para a mentalidade católica, a obediência não é uma questão de poder ou de comodidade, senão de confiança. A obediência é a maneira de viver a confiança. Obedeces à pessoa em quem confias. Desobedeces a alguém quando queres confiar mais em ti mesmo que na pessoa que te pede docilidade. Pode haver ocasiões em que fazer isto seja prudente, mas não quando se trata do Filho de Deus.

Isto fez com que me levantasse de novo a questão da oração. Se a oração é uma questão de obediência, então é um modo de seguir a Cristo em seu Caminho… quiçá a primeira forma de fazê-lo. Portanto, não rezar é declarar que confio mais em mim mesmo que em Cristo, o Caminho. É caminhar por um caminho que eu tracei.

Mas inclusive se decidia obedecer, confiar, ainda tinha desafios que enfrentar.


Ela, a que mostra o Caminho
Quando rezamos estamos, obediente e confiadamente, vivendo com Jesus, seguindo-lhe, mirando o que Ele faz para fazermos o mesmo. Mas ao dirigir nossa mirada a este labor nos damos conta imediatamente de que não vemos muito bem. Consideremos, como prova dele, todos os "modos" contraditórios com os que os cristãos têm tentado viver uma vida cristã… as diversas seitas, cismas, heterodoxias, heteropraxis e heresias. A complementariedade é uma coisa, mas a contradição é outra e se os cristãos vivem de maneira contraditória é razoável concluir que algumas pessoas veem mais claramente que outras.

E aqui chegou uma revelação chave para minha vida de oração, um modo de compreender Maria que fez fugir o meu fantasma protestante: Maria é a lente corretiva. Através de seus olhos podemos ver a Jesus melhor porque ela não tem as cataratas do pecado. Ela possui a melhor vista do drama do Evangelho e possui a visão mais clara do mesmo. Através desta lente Deus enfoca sua luz. Por este motivo o lugar de Maria é difícil de ver e por isso frequentemente é um lugar escondido: para servir como lente Ela deve ser translúcida. Assim o expressou Hopkins: "Através d’Ela podemos ver a Ele / de maneira mais doce, no mais tênue /e a mão dela abandona sua luz / peneirada para adequar-se a nossa vista".

Ao compreender Maria deste modo foi mais fácil para mim compreender o rosário. Como trabalho de obediência desde a posição vantajosa de Maria, o rosário, como expressa Von Balthasar, nos oferece a oportunidade de rezar dentro da união que Maria compartilha com Cristo. Se "a oração cristã pode chegar a Deus somente seguindo o caminho que Deus mesmo pisou, como nos alcançou este Caminho?", pergunta Von Balthasar, "como penetrou a 'Luz' dentro de nós? Como viveu a 'Palavra' entre nós? … Alguém teve que receber a Palavra de uma maneira tão incondicional para assegurar que tivesse um lugar em um ser humano e, assim, poder converter-se em homem, o Filha de uma Mãe".

El Caminho de Cristo, esta Palavra Encarnada, chega desde o Pai através de sua Mãe e
enquanto Cristo volta ao Pai, nós ficamos presos no rastro do movimento de seu amor. Maria vive e reza no silencioso centro deste amplo movimento e o rosário nos permite compartilhar sua posição vantajosa, entrando no Caminho de Cristo junto a ela, que o compartilha intimamente. Esta posição vantajosa é, ao fim e ao cabo, uma posição de participação, não um mero ponto de observação. Maria observa o drama desde o cenário. Ao ver a Luz, ela brilha com a Luz. Tomando emprestada uma frase do dramaturgo Eugene O’Neill, vendo o segredo ela se converte em segredo.

Esta realidade adota uma forma comovedora no motivo iconográfico chamado Odighitria, a que mostra o Caminho.

Neste ícone, Nossa Senhora tem nos braços o Menino Jesus, ao qual aponta. Este é o Caminho, está dizendo. Ele é vosso fim, vosso significado, vossa alegria.  Através de seu olhar, neste ícone e no rosário, não somente vemos, senão que também vivemos o misterioso Caminho de Cristo de uma maneira mais perfeita. Também nós, vendo o segredo, nos convertemos em segredo.

Portanto, não há que se ter medo do rosário, não é algo imposto que deve ser incomodamente tolerado. É um passo do Caminho, um movimento musical, a gramática no discurso da graça. É uma porta aberta às profundidades do Sagrado Coração que cantarola com os ecos dos mistérios que há por detrás. Oxalá sejamos capazes, sobretudo os conversos, de aprender a abrir essa porta com algo mais de prontidão.



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