02 junho 2014

Como dialogar com não-católicos?




O diálogo com os irmãos de outras religiões

55. O diálogo interreligioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja. Entendido como método e meio para um conhecimento e enriquecimento recíproco, ele não está em contraposição com a missão ad gentes; pelo contrário, tem laços especiais com ela, e constitui uma sua expressão. Na verdade, a missão tem por destinatários os homens que não conhecem Cristo e o seu Evangelho, e pertencem, na sua grande maioria, a outras religiões. Deus atrai a Si todos os povos, em Cristo, desejando comunicar-lhes a plenitude da sua revelação e do seu amor; Ele não deixa de Se tornar presente de tantos modos, quer aos indivíduos quer aos povos, através das suas riquezas espirituais, das quais a principal e essencial expressão são as religiões, mesmo se contêm também « lacunas, insuficiências e erros ». Tudo isto foi amplamente sublinhado pelo Concílio e pelo Magistério sucesivo, sem nunca deixar de afirmar que a salvação vem de Cristo, e o diálogo não dispensa a evangelização.

À luz do plano de salvação, a Igreja não vê contraste entre o anúncio de Cristo e o diálogo interreligioso; sente necessidade, porém, de os conjugar no âmbito da sua missão ad gentes. De facto, é necessário que esses dois elementos mantenham o seu vínculo íntimo e, ao mesmo tempo, a sua distinção, para que não sejam confundidos, instrumentalizados, nem considerados equivalentes a ponto de se puderem substituir entre si.

Recentemente escrevi aos Bispos da Ásia: « mesmo reconhecendo a Igreja de bom grado o quanto há de verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do Budismo, do Induismo e do Islão - reflexos daquela verdade que ilumina todos os homens -, isso não diminui o seu dever e a sua determinação de proclamar sem hesitações Jesus Cristo que é 'o Caminho a Verdade, e a Vida' ( ... ) O facto de os crentes de outras religiões poderem receber a graça de Deus e serem salvos por Cristo independentemente dos meios normais por Ele estabelecidos, não suprime, de facto, o apelo à fé e ao baptismo que Deus dirige a todos os povos ». Na verdade, o próprio Senhor, « ao inculcar expressamente a necessidade da fé e do baptismo, ao mesmo tempo corroborou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pela porta do baptismo », O diálogo deve ser conduzido e realizado com a convicção de que a Igreja é o caminho normal de salvação e que só ela possui a plenitude dos meios de salvação.

56. O diálogo não nasce de tácticas ou de interesses, mas é uma actividade que apresenta motivações, exigências, dignidade própria: é exigido pelo profundo respeito por tudo o que o Espírito, que sopra onde quer, operou em cada homem. Por ele, a Igreja pretende descobrir as « sementes do Verbo », os « fulgores daquela verdade que ilumina todos os homens " - sementes e fulgores que se abrigam nas pessoas e nas tradições religiosas da humanidade. O diálogo fundamenta-se sobre a esperança e a caridade, e produzirá frutos, no Espírito. As outras religiões constituem um desafio positivo para a Igreja: estimulam-na efectivamente quer a descobrir e a reconhecer os sinais da presença de Cristo e da acção do Espírito, quer a aprofundar a própria identidade e a testemunhar a integridade da revelação, da qual é depositária para o bem de todos.

Daqui deriva o espírito que deve animar um tal diálogo, no contexto da missão. O interlocutor deve ser coerente com as próprias tradições e convicções religiosas, e disponível para compreender as do outro, sem dissimulações nem restrições, mas com verdade, humildade, e lealdade, sabendo que o diálogo pode enriquecer a ambos. Não deve haver qualquer abdicação, nem irenismo, mas o testemunho recíproco em ordem a um progresso comum, no caminho da procura e da experiência religiosa, e simultameamente em vista do superamento de preconceitos, intolerâncias e malentendidos. O diálogo tende à purificação e conversão interior que, se for realizada na docilidade ao Espírito, será espiritualmente frutuosa.

57. Ao diálogo, abre-se um vasto campo, podendo ele assumir múltiplas formas e expressões: desde o intercâmbio entre os peritos de tradições religiosas ou com seus representantes oficiais, até à colaboração no desenvolvimento integral e na salvaguarda dos valores religiosos; desde a comunicação das respectivas experiências espirituais, até ao denominado « diálogo de vida », pelo qual os crentes das diversas religiões mutuamente testemunham, na existência quotidiana, os próprios valores humanos e espirituais, ajudando-se a vivê-los em ordem à edificação de uma sociedade mais justa e fraterna.

Todos os fiéis e comunidades cristãs são chamadas a praticar o diálogo, embora não seja no mesmo grau e forma. Para isso é indispensável o contributo dos leigos, que « com o exemplo da sua vida e com a própria acção podem favorecer a melhoria das relações entre os crentes das diversas religiões » enquanto alguns deles poderão mesmo oferecer uma ajuda na pesquisa e no estudo.

Sabendo que bastantes missionários e comunidades cristãs encontram, no caminho difícil e por vezes incompreendido do diálogo, a única maneira de prestar um sincero testemunho de Cristo e um generoso serviço ao homem, desejo encorajá-los a perseverar com fé e caridade, mesmo onde os seus esforços não encontrem acolhimento nem resposta. O diálogo é um caminho que conduz ao Reino e seguramente dará frutos, mesmo se os tempos e os momentos estão reservados ao Pai (cf. At 1, 7).




João Paulo II - Encíclia Redemptoris Missio


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