09 novembro 2016

DEUS FALA DE MARIA - Pe. Francisco Faus


Uma cena de delicada caridade


O Evangelho fala relativamente pouco da Mãe de Jesus. Os textos extensos referem-se, principalmente, à concepção, nascimento e infância de Cristo. No entanto, se o Evangelho fala pouco, diz muito, diz muito mais do que imaginamos.

Nesta meditação começaremos refletindo sobre um trecho muito rico do Evangelho de São Lucas, guiados pelo desejo de captar o que Deus nos quer revelar acerca de Maria. Ao mesmo tempo, poderemos verificar se a devoção a Maria, tal como a vivem os fiéis católicos, está em sintonia com a Palavra de Deus.

A passagem evangélica é a da Visitação da Virgem Maria à sua prima Santa Isabel (Lc 1, 39-56).

Quando Maria se encaminhou à casa de Isabel, ainda soavam nos seus ouvidos os ecos da mensagem da Anunciação. No seu seio, o Verbo – a segunda Pessoa da Santíssima Trindade – já se fizera carne. Ela era mãe e, em seu corpo virginal, após a concepção, trazia Deus feito homem, formava-lhe um corpo.

Por uma alusão incidental do Anjo Gabriel na Anunciação, Maria tomou conhecimento de que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês daquela que se dizia estéril (Lc 1,36).

A sua reação imediata foi pensar que Isabel precisaria de ajuda. E é por isso que foi sem demora oferecer o seu auxílio à prima idosa, que se preparava para a primeira experiência da maternidade: Levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel (Lc 1, 39-40).

Até aqui, o Evangelho apresenta uma cena de delicada caridade. Mas, a partir desse momento da narrativa, a cena familiar do encontro das duas mulheres eleva-se a um plano diverso, ganhando uma significação inesperada, porque Deus intervém.

São Lucas descreve o que se passou com os acentos do imprevisto: Aconteceu, diz. Passou-se algo que não era esperado. Aconteceu que, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse: “Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. (Lc 1, 41-42).

O Espírito Santo fala pela boca de Isabel

Não há a menor dúvida de que o Evangelho mostra neste texto que Deus fala por boca de Isabel. Fala como o fizera pelos Profetas, cheios do Espírito Santo; e todos sabemos que a voz dos Profetas era a voz de Deus: Deus falou outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos Profetas – assim começa a Epístola aos Hebreus (1, 1). Agora dispõe-se a falar de novo.

Pensando bem, o que seria lógico esperar dos lábios de Isabel, quando o Espírito Santo a invade – a ela e ao filho que traz nas entranhas –, inundando-a da alegria de receber em sua casa o Salvador recém concebido, do qual Maria é portadora, o Messias esperado por séculos a fio, o próprio Deus feito homem?

Certamente seria razoável esperar que, perante um fato de tal transcendência, Isabel – movida pelo Espírito Santo – entoasse um cântico de adoração e de agradecimento ao Deus, Senhor de céus e terra, e ai seu Filho encarnado que se dignava chegar a sua casa, no seio de Maria. Diante da presença do Deus vivo, tudo se obscurece, todas as criaturas passam a um segundo plano, como sombras que, quando muito, refletem tenuemente os raios do Sol divino.

Certamente Isabel louva o seu Senhor e exulta nele com alegre agradecimento. Mas a verdade é que todas as palavras que pronuncia são – do começo ao fim – um louvor e uma glorificação de Maria. É Deus quem fala por ela – precisamos repisá-lo –, e em consequência essas palavras inspiradas expressam o que Deus nosso Senhor “pensa” e “quer dizer” e louvar a respeito daquela que escolheu como Mãe.

Prestemos atenção ao texto do Evangelho: …Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas (Lc 1, 41-45). Cada palavra, cada frase, tem um peso.

Se acompanharmos o ritmo das expressões de Isabel, na sua sequência linear, perceberemos logo que começam com um louvor a Maria, a Virgem Santa abençoada por Deus de uma forma única entre todas as mulheres; e que a isso se segue um louvor a Cristo, mas a Cristo contemplado através de Maria, precisamente como filho dela: “e [esse “e” é significativo] bendito o fruto do teu ventre”. Esta é a primeira palavra que Deus profere sobre Nossa Senhora por intermédio de Isabel.

Uma dupla bênção

Lê-se a seguir uma segunda frase, cujo significado é este: a proximidade de Maria, a presença e a conversa com a Virgem, é um bem, é uma bênção para a pessoa de quem Ela se aproxima. Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Isabel sente-se beneficiada por um dom imerecido. Não se limita a agradecer à sua parenta a atenção que está tendo com ela; ela sente-se honrada, para além de todo merecimento, justamente porque a “Mãe do meu Senhor” dignou-se visitá-la. Isto é o que a comove: diante dos seus olhos, está a Mãe de Deus, e com a Mãe de Deus vêm as bênçãos do céu.

Esta referência emocionada de Isabel ao benefício recebido pela visita da Mãe do seu Senhor, torna-se ainda mais clara nas palavras que profere a seguir: Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre.

Só entendemos essa frase se não esquecemos que, pouco antes, São Lucas já se referira a uma dupla bênção produzida pelas palavras da saudação de Maria: por um lado, produziu a alegria sobrenatural de João Batista, que saltou no seio de sua mãe; por outro, com trouxe a efusão do Espírito Santo na alma de Isabel. É da maior importância perceber que esse duplo dom, conforme diz o Evangelho, tenha sido concedido por Deus em virtude da presença de Maria, o som e o amor da “voz da tua saudação”.

O texto, com efeito, expressa uma autêntica relação de causalidade entre a chegada de Maria, a voz de Maria, e os dons divinos derramados na alma de Isabel e do seu filho. Tudo aconteceu “apenas Isabel ouviu a voz de Maria”, “logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos”, e aconteceu “por isso”. Aqui não está se falando de sentimentos ou de reações emocionais subjetivas – do estado psicológico provocado humanamente pela visita de Maria –, mas de uma iniciativa divina, de uma ação direta de Deus sobre Isabel – “ficou repleta do Espírito Santo” –, que o Evangelho vincula a Maria como causa instrumental. Deus agiu por intermédio dEla.

Também encerram uma grande riqueza as últimas palavras pronunciadas por Isabel. Trata-se de um novo louvor: Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas. Se esta frase não se encontrasse no Evangelho, nos pareceria exagerada. Porque Isabel afirma simplesmente que “as coisas que da parte do Senhor foram ditas a Maria” se cumprirão porque Ela acreditou. Que são “essas coisas”? Darás à luz um filho…, será grande, será chamado Filho do Altíssimo…, reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e o seu Reino não terá fim (Lc 1, 31-32). Ou seja, a Encarnação e a Redenção do mundo.

É fora de dúvida que Isabel afirma que este plano se há de cumprir porque Maria acreditou, porque, com sua fé, permitiu a Deus realizar esse seu desígnio redentor. Por outras palavras, Deus quis contar com a Virgem Santíssima, não como simples instrumento passivo, mas como parte ativa e “colaboradora livre” da obra da Redenção.

Não é natural que Deus queira contar também com Maria para aplicar os frutos da Redenção em nós? Que a queira colaboradora sua na obra da nossa salvação e da nossa santificação?

Essas considerações simples abrem-nos uma janela, através da qual podemos avaliar o porquê da devoção que o povo cristão dedica a Maria Santíssima. Não são coisas que nós inventamos, são dons de Deus que agradecemos e procuramos usufruir, secundando o que o Espírito Santo revelou a Isabel.


De: padrefaus.org

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