A história do termo católico
Como
um protestante, fui para uma igreja evangélica que modificou um
importante e histórico termo no Credo dos Apóstolos. Ao invés da “Santa, Católica Igreja”, éramos a “Santa, Cristã Igreja”.
Nada refleti sobre este fato naquele momento. Certamente não havia
nenhuma intenção maligna, apenas uma repugnância com a Igreja
Católica e o distinto desejo de nos distanciarmos desta heresia e
tradição feitas pelas mãos dos homens.
Para mim, os católicos se desviaram logo no início da “Cristandade Bíblica”,
então eles simplesmente inventaram um novo termo para descrever sua
sociedade. Desde que nós, os evangélicos, supostamente éramos os
leais e verdadeiros crentes da Bíblia, não possuíamos nenhum
interesse no termo católico, desde que este não foi
encontrado em nenhum lugar entre as capas da Bíblia, ou seja no
corpo textual não era citado. Era apenas um termo cujo viés era
carregado por uma bagagem negativa, então nós o removemos do Credo.
Eu deveria ter questionado “De onde vem o termo católico e o que significa”. Estaria eu correto em assumir que os Católicos Romanos inventaram o termo para destacá-los da “Cristandade Bíblica”?
Como doutrinas e palavras se desenvolvem
O
desenvolvimento da doutrina não é apenas um fenômeno católico. É
também um fato entre protestantes e em todas as religiões ou
tradições teológicas. Ao longo dos anos, termos teológicos são
desenvolvidos para auxiliar na explicação do conhecimento mais
profundo da fé. Como os cristãos ponderam, a Revelação foi
transmitida pelos apóstolos e depositada na Igreja d’Ele – a Igreja
pondera apoiada na Palavra de Deus – refletindo cada vez mais
profundamente.
Não
é muito diferente de se descascar uma cebola em camadas, o se
penetrar profundamente no coração. O desenvolvimento da doutrina
define, molda e interpreta o depósito da fé. A Bíblia não é um
manual técnico de instruções teológicas ou de detalhamento de uma
igreja, como seria um catecismo ou um guia de estudos. O significado
da Bíblia não é sempre claro, como nos contou são Pedro (2 Ped 3,15
– 16). Trinta e três mil denominações protestantes – competindo
entre si - também tornam este fato aparente, uma vez
que falham em concordar no que a Bíblia diz. Faz-se necessária a
autoridade de uma igreja universal e dos sucessores dos apóstolos
para formular as doutrinas da fé. Como um evangélico, eu era ingênuo
ao pensar que poderia recriar a roda teológica para mim mesmo.
Para ilustrar o desenvolvimento doutrinário, observemos o termo Trindade.
Este termo nunca aparece na Bíblia, nem a mesma dá a fórmula
explícita para a natureza da Trindade como comumente é utilizada
hoje, como sendo “Um Deus Único em Três Pessoas Distintas” ou “Três Pessoas, Uma Natureza”.
Todavia, o termo Trindade, como desenvolvido internamente na
Igreja Católica, é uma crença essencial para quase toda denominação
protestante. O primeiro registro do uso do termo Trindade – trias
– foi nos escritos de Teófilo de Antioquia, em torno do ano 180
A.D. Apesar de não ter sido encontrada na Bíblia, a Igreja Primitiva
desenvolveu termos como Trindade, os quais são utilizados para
definir e explicar doutrinas cristãs essenciais e básicas.
De
modo interessante, enquanto vários protestantes objetam a idéia do
desenvolvimento da doutrina segundo a Igreja Católica, os mesmos não
têm problema com o desenvolvimento em seus próprios campos,
inclusive quanto a inovações e invenções. Tome por exemplo, o Arrebatamento,
outro termo não encontrado na Bíblia e não utilizado em qualquer
círculo teológico até meados do século XIX. Após uma “profética
articulação” vinda de duas mulheres numa reunião escocesa de
renovação, a nova doutrina do “Arrebatamento” espalhou como um
incêndio selvagem por toda Nova Inglaterra e América.
Foi
a Igreja Católica quem definiu a Trindade Sagrada, a divindade e
humanidade de Cristo – a união hipoestática destas duas naturezas na
pessoa única e divina de Jesus -, salvação, batismo, a Sagrada
Eucaristia e todos os outros ensinamentos que pavimentam a Fé
Cristã. Foi também a Igreja Católica que trouxe à tona o Novo
Testamento – coletando, canonizando, preservando, distribuindo e
interpretando o mesmo. Como um protestante, eu estava bastante
inclinado para a aceitação inconsciente dos ensinamentos da Igreja
Católica sobre a Trindade, sobre a deidade de Cristo, o cânon
ortodoxo do Novo Testamento e etc., mas rejeitava,
voluntariosamente, o ensinamento “integral” da Igreja Católica.
Hoje, compreendo que é na Igreja Católica que encontramos a
abundância da fé e o visível e universal corpo de Cristo.
A definição do termo católico
Entretanto, nós ainda não definimos o termo católico. Ele vem do termo grego “katholikós”, o qual é a combinação de duas palavras: “kata” – concernente – e “holos” – totalidade; por conseqüência, “concernente à totalidade”
ou “integral, abrangente”. De acordo com o Dicionário Oxford de
Etimologia Inglesa, o termo católico surge de uma palavra grego cujo
significado é “relativo à totalidade” ou mais simplesmente, “geral
ou universal”.
Universal é originado de duas palavras gregas: “uni” – um – e “vetere” – giro; por conseqüência, “girando ao redor de um” ou “transformado em um”[1]. A palavra igreja deriva do grego “ecclesia”, a qual significa “aqueles chamados para socorrer”,
como se convocados a serem sublimados e libertos do mundo para
formar uma sociedade distinta. Então, a Igreja Católica é feita
destes que foram convocados e reunidos numa visível e universal
sociedade fundada por Cristo.
Em
seus primeiros anos a Igreja era pequena, tanto geograficamente,
quanto numericamente. Aproximadamente pela primeira década, a Igreja
na área de Jerusalém foi constituída exclusivamente de judeus; o
termo católico dificilmente poderia ser aplicado. Entretanto,
conforme a Igreja crescia e se espalhava pelo Império Romano, foi
incorporando judeus e gentios, ricos e pobres, romanos, homens
libertos e até mesmo escravos; ou seja, homens e mulheres de cada
tribo e idioma. Porém, por volta do terceiro século, era católica
uma em cada dez pessoas no Império Romano. Do mesmo modo que o termo
Trindade foi apropriado para descrever a natureza de Deus, assim foi com o termo católico para descrever a natureza do Corpo de Cristo – a Igreja -, mas voltemos à história do termo católico.
O
registro inicial de seu uso foi encontrado nos primeiros anos da
literatura cristã. Encontramos o primeiro indício nos escritos de
são Inácio de Antioquia, o qual era um homem jovem durante o tempo
de vida dos apóstolos e foi o segundo bispo de Antióquia, sucessor
de Pedro. São Inácio esteve imerso na tradição viva da igreja local
em Antióquia, onde os seguidores de Cristo foram inicialmente
denominados cristãos (At 11,26). Ele esteve presente o suficiente
não só para conhecer os apóstolos, mas para ser ensinado e ordenado
diretamente pelos mesmos. Dos apóstolos, Santo Inácio aprendeu o que
era a Igreja, como deveria funcionar, crescer e ser governada. A
História nos informa que São Pedro era o Bispo de Antióquia na
época, e de fato, os Pais da Igreja proclamam que São Inácio foi
ordenado pelo próprio são Pedro[2]. São Inácio certamente
prestou adoração com Pedro, Paulo e João, vivendo com ou próximo a
eles e esteve sob as orientações destes apóstolos especiais. São
Inácio de Antióquia é conhecido e reverenciado como uma testemunha
autêntica da tradição e costumes dos apóstolos.
Nos documentos existentes que resistiram até nossa época, São Inácio foi o primeiro a utilizar o termo católico
em referência à Igreja. Em sua jornada a Roma, sob escolta militar
para o Coliseu, onde seria devorado por leões devido a sua fé,
escreveu que “Vocês todos devem seguir o Bispo assim como
Jesus Cristo segue ao Pai, e ao presbitério como vocês seguiriam aos
apóstolos. Aonde quer que o Bispo surja, permita que as pessoas ali
estejam, assim como onde quer que Jesus Cristo esteja, ali se
encontra a Igreja Católica” (Epístola aos Esmirniotas).
Outro registro inicial do termo católico
é associado a são Policarpo, bispo de Esmirna, o qual o utilizou
por diversas vezes. São Policarpo foi discípulo do apóstolo João,
assim como este o foi de Jesus Cristo. Como são Inácio, são
Policarpo morreu martirizado num coliseu em 155A.D.. No Martiriológo
de são Policarpo, escrito no período de sua morte, lemos “Da
Igreja de Deus localizada em Esmirna para a Igreja de Deus
localizada em Filomélia, e para todas as dioceses da santa e
católica Igreja localizadas em qualquer parte” (Epístola da Igreja em Esmirna, Prefácio). Posteriormente, é citado no mesmo livro que “quando
Policarpo terminou sua oração, na qual relembrou todos os que
conheceu… e toda a Igreja Católica dispersa pelo mundo…”. Após a oração, os romanos o entregaram às feras selvagens, ao fogo e à espada. A epístola conclui ainda que “agora
com os Apóstolos e todos os justos, se encontra glorificando ao
Deus e Pai Todo Poderoso, louvando ao Nosso Senhor Jesus Cristo, o
Salvador de nossas almas e Pastor da Igreja Católica por todo o
mundo”. (8)
Então podemos claramente entender que logo no início do segundo século, os cristãos usaram regularmente o termo católico
como uma definição do estabelecimento da Igreja. A partir do
segundo século em diante, vemos que o termo é regularmente aplicado
por teólogos e escritores. Alguém poderia facilmente concluir que “católica” era uma descrição inicial da Igreja, provavelmente utilizada pelos próprios apóstolos.
No
quarto século, santo Agostinho ao retransmitir a tradição da Igreja
Primitiva, não economizou palavras para referendar a importância e
disseminação a longa distância do uso do termo católico. Ele escreveu que “devemos
ser leais à religião cristã e à comunicação em Sua Igreja que é
católica, e que não é denominada católica apenas por seus próprios
membros, mas também por todos seus inimigos” (A verdadeira religião 7,12). E novamente, “a
única e verdadeira denominação Católica, a qual não sem razão,
pertence somente a esta Igreja, defronte tantos hereges, e embora
todos os hereges desejem ser denominados católicos, quando um
estranho lhes pergunta a localização da Igreja Católica, nenhum
destes hereges ousa apontar para sua própria basílica ou casa” (Contra a carta de Mani entitulada “A fundação” 4,5).
A
inicial aplicação e a importância do termo também poderão ser
compreendidas através de seu uso tanto no Credo dos Apóstolos,
quanto no de Nicene. Se você fosse um cristão no primeiro milênio,
você seria um católico; e se você era um católico, você recitou
estes credos afirmando “Uma Santa, Católica e Apostólica Igreja”. Infelizmente, hoje algumas pessoas buscam realizar uma distinção entre “Católica” com “C”
maiúsculo e “católica” com “c” minúsculo, mas tal distinção é um
desenvolvimento recente e jamais escutado na Igreja Primitiva.
O entendimento bíblico do termo católico
Jesus
enviou seus apóstolos como missionários levando as seguintes
palavras “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem
discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que
eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt
28, 19-20). Como nos recorda Frank Sheed, “Preste atenção
primeiramente na repetição tripla da idéia de “totalidade” – todas as
nações, todas as coisas, todos os dias. Católico, dizemos,
significa universal. Examinando o termo universal, vemos que este
contém duas idéias, a idéia do todo, a idéia do um. Mas tudo o que?
Todas as nações, todo os ensinamentos, todo o tempo, assim diz Nosso
Senhor. Não é uma descrição exagerada da Igreja Católica. Nem sob o
mais insano exagero, esta poderia evoluir como uma descrição de
qualquer outra [igreja]” (Teologia e santidade [San Francisco, CA: Ignatius Press, 1993], 284).
Jesus utilizou a palavra igreja duas vezes nos evangelhos, e ambas em Mateus, Ele disse “…sobre esta pedra edificarei minha igreja…”
(Mt 16,18). Ele não mencionou igrejas ainda que estabelecesse uma
divisão, nem insinuou que esta seria uma igreja invisível maquiada
em grupos competidores entre si. Ele estava estabelecendo uma
visível e reconhecível igreja. E em Mateus 18,17, Jesus diz que “Caso não lhes der ouvido, dizei-o à Igreja”,
quanto à correção fraterna de um irmão pelo outro. Repare o artigo
“a” referindo-se a uma entidade distinta; não “igrejas”, mas uma
visível, reconhecível igreja na qual se espera ter uma liderança
reconhecível com universal autoridade.
Atualmente,
qualquer um pode constatar o triste estado da “Cristandade” ao
comparar as palavras de Jesus sobre “a Igreja” com a situação
corrente. Se um Metodista ofende um Batista, ou um Presbiteriano
ofende um Pentecostal, qual “igreja” eles buscarão para ajuizar a
questão? Este fato sozinho demonstra o problema quando 33.000
denominações existem fora dos limites físicos da “Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja”.
Jesus esperava que houvesse uma universal, plena em autoridade,
visível e católica Igreja para representá-lo no mundo até o seu
retorno.
Logo
após sua crucificação, Jesus orou não apenas pela universalidade e
catolicidade da Igreja, mas para sua unidade visível (Jo 17, 21-23):
“…a fim de que todos sejam um.
Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti,
que eles estejam em nós,
para que o mundo creia que tu me enviaste.
Eu lhes dei a glória que me deste
para que sejam um, como nós somos um:
Eu neles e tu em mim,
para que sejam perfeitos na unidade
e para que o mundo reconheça que me enviaste
e os amaste como amaste a mim”.
A
Igreja Primitiva compreendeu as palavras de Jesus. Qual seria o bem
de uma unidade invisível, teórica e impraticável? Para que o mundo
veja uma unidade católica, a singularidade da Igreja deve ter uma
realidade física, real e visível, tudo o que já é a Igreja Católica.
Desde os primeiros séculos, os cristãos têm confessado que a Igreja
é “uma, santa, católica e apostólica”.
Una, porque realmente só existe uma, visível, orgânica e unificada Igreja; Santa, porque é denominada pelo mundo como a Esposa de Cristo, justa e santificada; Católica, porque é universal, unificada, e abrange todo o mundo; Apostólica,
porque fundada por Cristo (Mt 16,18) através de seus Apóstolos, e
porque a autoridade de seus apóstolos é perpetuada através de seus
Bispos. Através dos séculos, este credo tem sido o estatuto da
Igreja.
Nestes
últimos dias, os cristãos necessitam continuar confiantes e
obedientes em seus corações à Igreja Católica. Ela tem sido nossa
Mãe fiel e persistente em transmitir a ordem de Jesus Cristo por
2.000 anos. Como um evangélico protestante, pensei que poderia
ignorar os credos e concílios de nossa Mãe, a Igreja. Eu estava desoladamente equivocado.
Eu agora compreendo que Jesus requer de nós que escutemos Sua
Igreja, a Igreja a qual ele deu autoridade para atar e desatar (Mt
16,19 e 18,17) – a Igreja Católica – a qual é o pilar e fundação da
Verdade (1 Tim 3,15).
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