Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP
Era o Templo restaurado por Herodes. Embora “feito de belas
pedras e recamado de ricos donativos” (Lc 21, 5), bem longe estava de possuir o
esplendor e a magnificência do anterior, erigido segundo a capacidade e a
sabedoria de Salomão.
Naquele dia, um casal, levando o mais belo de todos os
meninos, atravessou os umbrais do recinto sagrado, com o intuito de cumprir as
prescrições da Lei a respeito dos primogênitos. Na aparência, aquela cena nada
tinha de extraordinário: com muita frequência as famílias israelitas, vindas
das mais variadas cidades, chegavam a Jerusalém, trazendo seus filhos para
apresenta-los ao Senhor e oferecer o sacrifício prescrito pela Lei: um par de
rolas ou dois pombinhos (cf. Lc 2-24). Quase sempre as mães preferiam associar
esta cerimônia àquela da sua própria purificação, à qual estavam obrigadas
pelas rígidas normas do Levítico.
Entretanto, nessa ocasião, o ritual da apresentação
revestia-se de dimensões verdadeiramente divinas e fora previsto com séculos de
antecedência pelo profeta Ageu: “Encherei de minha glória este templo — diz o
Senhor do universo. A prata e o ouro me pertencem — oráculo do Senhor do
universo. O esplendor futuro deste templo será maior que o primeiro — oráculo
do Senhor do universo. Neste lugar Eu darei a paz — diz o Senhor do universo”
(Ag 2, 7b-10). E por Malaquias: “Logo chegará a seu templo o Dominador, que vós
procurais, e o Anjo da Aliança, que vós desejais” (Ml 3, 1b).
Com efeito, aquela arrebatadora criança, conduzida nos
braços de sua Mãe para submeter-Se humildemente aos preceitos da Lei mosaica,
era o próprio Dominador, o Filho Unigênito de Deus, nascido sob o domínio da
Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei (cf. Gl 4, 5).
Dia de gáudio e de glória aquele em que, por fim, as profecias
atingiam sua realização e o Divino Menino começava a ser reconhecido pelos que
“em Jerusalém esperavam a redenção” (Lc 2, 38).
“Uma espada
transpassará a Tua alma”
Entrando no templo, Maria e José depararam-se com um ancião
de venerável aspecto, que para lá se dirigira, cheio de esperança, sob a
inspiração do Espírito Santo (cf. Lc 2, 27). Ao ver o Menino Jesus, Simeão, que
poderia ser denominado o varão-esperança, logo começou a bendizer a Deus e a
profetizar a respeito dEle, deixando admirados Seu pai e Sua mãe (cf. Lc 2,
33). Também Ana, a profetisa, que se encontrava no Templo, pôs-se a falar sobre
Ele, tornando-se uma das primeiras anunciadoras da missão redentora de Jesus.
Maria e José ouviam todas essas palavras, e Seus corações enchiam-se de gozo ao
constatarem que o inefável mistério do qual ambos eram depositários, Deus Se
dignara comunicá-lo também a outras almas, manifestando-lhes a presença de
Cristo no mundo.
Simeão tomou o Menino nos braços e, após ter sido pago o
imposto, entregou-O à Sua Mãe, dizendo-Lhe: “Uma espada transpassará a Tua
alma” (Lc 2, 35).
Que contraste impressionante! Ali estava o casal princeps,
duas criaturas escolhidas por Deus para servir de arquetipia à humanidade:
Maria e José. Nesses momentos de consolação, nos quais a Luz descida do Céu
para revelar-Se às nações começava a deitar seus primeiros raios, abria-se já,
de maneira oficial, a “via dolorosa” que o Senhor apontava à Sua Santa Mãe. A
alegria de Maria — de possuir um Filho que é Deus e de pertencer a um Deus que
é Seu Filho — naquele instante transformou-se em tristeza. Auge de alegria e
auge de tristeza conjugaram-se no coração da Virgem: quanta perplexidade nessa
ocasião em que tudo deveria falar de júbilo e, entretanto… “uma espada
transpassará a Tua alma”!
Pelo pecado, o
sofrimento tornou-se inerente à condição humana
Por que quis Deus unir a dor à alegria num verdadeiro
paradoxo, inevitável na vida humana? Todos nós, pelas inclinações da natureza,
sempre propensa a buscar a felicidade e a fugir de qualquer sofrimento, somos
incapazes de compreender essa maravilha, se não for por um especial auxílio da
graça. Fora da filosofia cristã iluminada pela fé, o problema da dor tem sido
sempre algo difícil de resolver. Enquanto alguns a concebem como um mal a ser
evitado a todo custo, outros, passando ao extremo oposto, consideram-na
imprescindível e chegam a fazer dela um prazer malsão e amargo, única saída
para sua falta de esperança.
A Igreja, ao contrário, sempre tratou desse assunto de forma
equilibrada. Em virtude do pecado original, o sofrimento tornou-se inerente à
condição humana, e o homem deve utilizar-se dele para o serviço de Deus,
transformando-o numa fonte de méritos e até de glória.
A respeito do modo de como os homens, tanto os bons quanto os
maus, suportam as tribulações, assim escreve Santo Agostinho: “Embora justos e
pecadores sofram um mesmo tormento, o resultado não é o mesmo. O mesmo fogo faz
resplendecer o ouro, purificando-o, e a palha lançar fumaça; o mesmo trilho
serve para limpar os grãos e quebrar as arestas… Assim também, uma mesma
adversidade purifica e aperfeiçoa os bons, e destrói e aniquila os maus. Por
conseguinte, numa mesma calamidade, os pecadores se revoltam e blasfemam contra
Deus, enquanto os justos O glorificam e pedem misericórdia; a grande diferença
de sentimentos não está na qualidade do mal que uns e outros padecem, mas na
das pessoas que o sofrem. Sacudidos de um mesmo modo, o lodo exala um mau
cheiro insuportável, e o bálsamo precioso um suavíssimo odor”.1
Cristo quis assumir a
nossa carne em estado padecente
Para conhecermos a fundo todo o valor que se desprende da
dor quando santamente aceita, bastanos observar que esta foi a via escolhida
pela Providência para o próprio Homem-Deus e Sua Mãe Santíssima. Ao nos
aproximarmos de um altar em qualquer igreja da terra, sempre o encontraremos
presidido por um Crucifixo; e, aos pés dessa Cruz, indissociável do Filho,
imaginamos uma Mãe que chora: Stabat Mater dolorosa, juxta crucem lacrimosa…
Reza a teologia que, para resgatar o gênero humano, teria
bastado Nosso Senhor Jesus Cristo oferecer a Deus Pai um simples gesto, uma
curta palavra, ou até mesmo um piscar de olhos, por serem de valor infinito
todos os Seus atos.2 Portanto, uma única gota de sangue derramada durante a
Circuncisão seria suficiente para consumar a obra da Redenção.3
Entretanto, decretou o Padre Eterno que Ele sofresse a
Paixão e Morte de Cruz, pois não poderia permitir que a Seu Verbo — “efusão da
luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus, imagem de Sua bondade” (Sb
7, 26) — fosse negada uma glória em plenitude e esplendor. Foi por ilimitado
amor ao Seu Unigênito que Deus permitiu as ignomínias da Flagelação, as
humilhações do Ecce Homo, a exaustão da Via-Sacra e os tormentos da Crucifixão.
O Filho, que por Sua natureza divina não era capaz de sofrer, quis assumir
nossa carne em estado padecente, e não em corpo glorioso, como correspondia à
Sua alma, a qual se encontrava na visão beatífica desde o primeiro instante da
Encarnação.
Agindo desse modo, Deus não visou apenas operar a Redenção
da forma mais esplêndida, mas quis propor aos homens de todos os tempos o
Modelo perfeito a ser seguido. Assim se expressa a respeito deste tema o
piedoso Pe. André Hamon: “Quando Deus, em Seus eternos decretos, decidiu a
Encarnação do Verbo, propôs-Se apresentar aos olhos dos homens o modelo da vida
nova que deveria salvá-los. Como homem, o Verbo Encarnado lhes mostraria o
caminho; como Deus, lhes daria a garantia da perfeição do modelo. Suas virtudes
seriam imitáveis, pois seriam a ação de um homem; e uma regra segura, já que
seriam a ação de um Deus”.4
O mistério profundíssimo da Cruz
Ora, ao contemplarmos o Homem-Deus, deparamo-nos com esse
profundo mistério: Ele, o Onipotente, o Senhor da Glória, a quem os Anjos
adoram sem cessar, “fez-Se em tudo semelhante a nós, exceto no pecado” (Hb 4,
15), e sofreu as contingências da condição humana como fome, sede, sono, e
fadiga. Para a mentalidade do homem moderno — pervadida pela ideia de um
triunfalismo mal compreendido, da qual desapareceu quase completamente o
verdadeiro sentido da dor —, a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo cravado na
Cruz, clamando ao Pai a magnitude de Seu abandono, aparece como a de um
fracassado. “Em verdade, Ele tomou sobre Si nossas enfermidades, e carregou os
nossos sofrimentos: e nós O reputávamos como um castigado, ferido por Deus e
humilhado” (Is 53, 4).
Entretanto, devemos procurar discernir a sublime lição
contida no Sacrifício do Calvário, cuja renovação incruenta se opera
diariamente em todos os altares do mundo. Em seu poema O Triunfo da Cruz, assim
canta São Luís Maria Grignion de Montfort: “É a Cruz, sobre a terra mistério
profundíssimo, que não se conhece sem muitas luzes. Para compreendê-lo é necessário
um espírito elevado. Entretanto, é preciso entendê-lo para que nos possamos
salvar. [...] A Cruz é necessária. É preciso sofrer sempre: ou subir ao
Calvário ou perecer eternamente. E Santo Agostinho exclama que somos réprobos
se Deus não nos castiga e nos prova”.5
Deus quis submeter o
homem à prova
A vida no Paraíso Terrestre era isenta de qualquer incômodo.
O homem estava mergulhado na felicidade: os vegetais se encontravam à sua
disposição, os animais o serviam, não havia doenças nem cansaço, e, por um
especial favor do Criador, a ameaça da morte não o atingia. Também sua alma
vivia em paz, pois, graças ao dom da integridade, a carne e o espírito não
entravam em conflito, e todas as paixões se ordenavam à luz da Fé.
Não obstante, em meio àquela agradável existência cheia de
delícias, Deus quis que houvesse uma prova e, em consequência, uma pequena dor:
“Não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que
dele comeres, morrerás indubitavelmente” (Gn 2, 17).
Era conveniente que Deus, seriedade infinita, exigisse do
homem um tributo de sua submissão, por meio do qual este demonstrasse a
autenticidade dos louvores e das honras que prestava a seu Criador. A aceitação
desta prova era uma renúncia magnífica e uma homenagem ímpar, que partia da
humanidade logo em seu nascedouro e se elevava até o trono de Deus.
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