Demoraram
alguns séculos para que a Igreja Católica chegasse à forma final da Bíblia, com os 73 livros como temos hoje. Em
vários Concílios, ao longo da história, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo
(cf. Jo 16,12-13) estudou e definiu o Índice (cânon) da Bíblia; uma vez que
nenhum de seus livros traz o seu Índice. Foi a Igreja Católica quem berçou a
Bíblia. Garante-nos o Catecismo da Igreja e
o Concílio Vaticano II que: “Foi a Tradição apostólica que fez a Igreja
discernir que escritos deviam ser enumerados na lista dos Livros Sagrados” (Dei
Verbum 8; CIC,120). Portanto, sem a Tradição da Igreja não teríamos a Bíblia.
Santo Agostinho dizia: “Eu não acreditaria no Evangelho, se a isso não me
levasse a autoridade da Igreja Católica” (CIC,119).
E por que a Bíblia católica é diferente da protestante?
Esta tem apenas 66 livros porque Lutero e, principalmente os seus
seguidores, rejeitaram os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc,
Eclesiástico (ou Sirácida), 1 e 2 Macabeus, além de Ester 10,4-16; Daniel
3,24-20; 13-14.
A razão disso vem de longe. No ano 100 da era cristã, os rabinos judeus
se reuniram no Sínodo de Jâmnia (ou Jabnes), no sul da Palestina, a fim de
definir a Bíblia Judaica. Isto porque nesta época começavam a surgir o Novo
Testamento com os Evangelhos e as cartas dos Apóstolos, que os judeus não
aceitaram. Nesse Sínodo, os rabinos definiram como critérios para aceitar que
um livro fizesse parte da Bíblia, o seguinte:
(1) Deveria ter sido escrito na Terra Santa;
(2) Escrito somente em hebraico, nem aramaico e nem grego;
(3) Escrito antes de Esdras (455-428 a.C.);
(4) Sem contradição com a Torá ou lei de Moisés.
Esses critérios eram puramente nacionalistas, mais do que religiosos,
fruto do retorno do exílio da Babilônia em 537aC. Por esses critérios não foram
aceitos na Bíblia judaica da Palestina os livros que hoje não constam na Bíblia
protestante, citados anteriormente.
Mas a Igreja católica, desde os Apóstolos, usou a Bíblia completa. Em
Alexandria no Egito, cerca de 200 anos antes de Cristo, já havia uma influente
colônia de judeus, vivendo em terra estrangeira e falando o grego. O rei do
Egito, Ptolomeu, queria ter todos os livros conhecidos na famosa biblioteca de
Alexandria; então mandou buscar 70 sábios judeus, rabinos, para traduzirem os
Livros Sagrados hebraicos para o grego, entre os anos 250 e 100 a.C, antes do
Sínodo de Jâmnia (100 d.C). Surgiu, assim, a versão grega chamada Alexandrina
ou dos Setenta, que a Igreja Católica sempre seguiu. Essa versão dos Setenta,
incluiu os livros que os judeus de Jâmnia, por critérios nacionalistas,
rejeitaram.
Havia, dessa forma, no início do Cristianismo, duas Bíblias judaicas: a
da Palestina (restrita) e a Alexandrina (completa – Versão dos LXX). Os
Apóstolos e Evangelistas optaram pela Bíblia completa dos Setenta
(Alexandrina), considerando inspirados (canônicos) os livros rejeitados em
Jâmnia. Ao escreverem o Novo Testamento, utilizaram o Antigo Testamento, na
forma da tradução grega de Alexandria, mesmo quando esta era diferente do texto
hebraico.
O texto grego “dos Setenta” tornou-se comum entre os cristãos; e
portanto, o cânon completo, incluindo os sete livros e os fragmentos de Ester e
Daniel, passaram para o uso dos cristãos. Das 350 citações do Antigo Testamento
que há no Novo, 300 são tiradas da Versão dos Setenta, o que mostra o uso da
Bíblia completa pelos Apóstolos. Verificamos também que nos livros do Novo Testamento
há citações dos livros que os judeus nacionalistas da Palestina rejeitaram.
Por exemplo: Rom 1,12-32 se refere a Sb 13,1-9; Rom 13,1 a Sb 6,3; Mt
27,43 a Sb 2, 13.18; Tg 1,19 a Eclo 5,11; Mt 11,29s a Eclo 51,23-30; Hb 11,34 a
2 Mac 6,18; 7,42; Ap 8,2 a Tb 12,15. Nos séculos II a IV, houve dúvidas na
Igreja sobre os sete livros por causa da dificuldade do diálogo com os judeus.
Mas a Igreja, ficou com a Bíblia completa da Versão dos Setenta, incluindo os
sete livros.
Após a Reforma Protestante, Lutero e seus seguidores rejeitaram os sete
livros já citados.
É importante saber também que muitos outros livros, que todos os
cristãos têm como canônicos, não são citados nem mesmo implicitamente no Novo
Testamento.
Por exemplo: Eclesiastes, Ester, Cântico dos Cânticos, Esdras, Neemias,
Abdias, Naum, Rute.
Outro fato importantíssimo é que nos mais antigos escritos dos santos
Padres da Igreja (patrística) os livros rejeitados pelos protestantes
(deuterocanônicos) são citados como Sagrada Escritura. Assim, São Clemente de
Roma, o quarto Papa da Igreja, no ano de 95 escreveu a Carta aos Coríntios,
citando Judite, Sabedoria, fragmentos de Daniel, Tobias e Eclesiástico; livros
rejeitados pelos protestantes. Ora, será que o Papa S. Clemente se enganou, e
com ele a Igreja? É claro que não.
Da mesma forma, o conhecido Pastor de Hermas, no ano 140, faz amplo uso
de Eclesiástico, e de Macabeus II; Santo Hipólito (†234), comenta o Livro de
Daniel com os fragmentos deuterocanônicos rejeitados pelos protestantes, e cita
como Sagrada Escritura Sabedoria, Baruc, Tobias, 1 e 2 Macabeus. Fica assim,
muito claro, que a Sagrada Tradição da Igreja e o Sagrado Magistério sempre
confirmaram os livros deuterocanônicos como inspirados pelo Espírito Santo.
Vários Concílios confirmaram isto: os Concílios regionais de Hipona (ano
393); Cartago II (397), Cartago IV (419), Trulos (692). Principalmente os
Concílios ecumênicos de Florença (1442), Trento (1546) e Vaticano I (1870)
confirmaram a escolha.
No século XVI, Martinho Lutero (1483-1546) para contestar a Igreja, e
para facilitar a defesa das suas teses, adotou o cânon da Palestina e deixou de
lado os sete livros conhecidos, com os fragmentos de Esdras e Daniel.
Lutero, quando estava preso em Wittenberg, ao traduzir a Bíblia do latim
para o alemão, traduziu também os sete livros (deuterocanônicos) na sua edição
de 1534, e as Sociedades Bíblicas protestantes, até o século XIX incluíam os
sete livros nas edições da Bíblia. Neste fato fundamental para a vida da Igreja
(a Bíblia completa) vemos a importância da Tradição da Igreja, que nos legou a
Bíblia como a temos hoje.
Disse o último Concílio: “Pela Tradição torna-se conhecido à Igreja o
Cânon completo dos livros sagrados e as próprias Sagradas Escrituras são nelas
cada vez mais profundamente compreendidas e se fazem sem cessar, atuantes.”
(DV,8). Se negarmos o valor indispensável da Igreja Católica e de sua Sagrada
Tradição, negaremos a autenticidade da própria Bíblia. Note que os seguidores
de Lutero não acrescentaram nenhum livro na Bíblia, o que mostra que aceitaram
o discernimento da Igreja Católica desde o primeiro século ao definir o Índice
da Bíblia.
É interessante notar que o Papa São Dâmaso (366-384), no século IV,
pediu a S. Jerônimo que fizesse uma revisão das muitas traduções latinas que
havia da Bíblia, o que gerava certas confusões entre os cristãos. São Jerônimo
revisou o texto grego do Novo Testamento e traduziu do hebraico o Antigo
Testamento, dando origem ao texto latino chamado de Vulgata, usado até hoje.
Felipe de Aquino
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