Em síntese: O
presente artigo analisa a prática das promessas feitas a Deus ou aos
santos por pessoas desejosas de obter alguma graça. Tal prática tem
fundamentado na própria Bíblia (cf. Gn 28,20-22; 1Sm 1,11). Todavia
verifica-se que os autores bíblicos faziam advertências aos fiéis no
sentido de não prometerem o que não pudessem cumprir (cf. Ecl 5,4). No
Novo Testamento São Paulo quis submeter-se às obrigações do voto do
nazireato (cf. At 18,18; 21,24). Estas ponderações mostram que a prática
das promessas como tal não é má. É certo, porém, que as promessas não
movem o Senhor Deus a nos dar o que Ele não quer dar, pois Deus já
decretou desde toda a eternidade dar o que Ele nos dá no tempo, mas as
promessas contribuem para afervorar o orante, excitando neste maior
amor. Acontece, porém, que muitas vezes os cristãos não têm noção clara
do porquê das promessas ou prometem práticas que eles não podem cumprir.
Daí surgem duas obrigações para quem tem o encargo de orientar os
irmãos: 1) mostre-lhes que as promessas nada têm de mágico ou de
mecânico, nem se destinam a dobrar a vontade de Deus, como se o Senhor
se pudesse deixar atrair por promessas, à semelhança de um homem; 2)
procure incutir a noção de que o cristão é filho do Pai e, por isto, não
precisa de prometer ao Pai; o amor filial com que o cristão reze a
Deus, é mais eloqüente do que a linguagem das promessas, que podem ter
um sabor “comercial” ou muito pouco filial.
Comentário: Entre os
fiéis católicos não é raro fazerem-se promessas a Deus ou a algum
santo,… promessas de algum ato heróico a ser cumprido caso a pessoa
receba a graça que deseja. Em conseqüência, fala-se de “pagar
promessas”. Não raro os fiéis que prometem, depois de atendidos, não têm
condições físicas, psíquicas ou financeiras para pagar as suas
promessas. Sentem-se então angustiados, pois receiam que algo de mau ou
um castigo lhes sobrevenha da parte de Deus por não cumprirem as suas
“obrigações”. O problema é tormentoso e merece ser analisado desde as
suas raízes, ou seja, a partir do conceito mesmo de piedade que os fiéis
cristãos devem alimentar. É o que vamos fazer nas páginas subseqüentes,
examinando: 1) a fundamentação bíblica, 2) a justificativa teológica
das promessas, 3) a casuística ocasionada, 4) uma conclusão final.
1. Fundamentação bíblica
O costume de fazer promessas ou, segundo
linguagem mais bíblica, votos tem origem na piedade popular anterior a
Cristo. É documentado pela própria Bíblia, que nos mostra como pessoas,
em situações difíceis necessitando de um auxílio de Deus, prometeram
fazer ou omitir algo, caso fossem ajudadas pelo Senhor. Foi, por
exemplo, o que aconteceu com Jacó, que, ao fugir para a Mesopotâmia,
exclamou: “Se Deus estiver comigo, se me proteger durante esta viagem,
se me der pão para comer e roupa para vestir e se eu regressar em paz à
casa de meu pai,… esta pedra… será para mim casa de Deus e pagarei o
dízimo de tudo quanto me concederdes” (Gn 28, 20-22). Ana, estéril, mas
futura mãe de Samuel, fez a seguinte promessa: “Senhor dos exércitos, se
vos dignardes olhar para a aflição da vossa serva e… lhe derdes um
filho varão, eu o consagrarei ao Senhor durante todos os dias de sua
vida e a navalha não passará sobre a sua cabeça” (1Sm 1,11). Alguns
salmos exprimem os votos ou as promessas dos orantes de Israel; assim os
de número 65. 66. 116; Jn 2,3-9.
A própria Escritura, porém, dá a
entender que, entre os membros do povo de Deus, houve abusos no tocante
às promessas: algumas terão sido proferidas impensadamente: “É melhor
não fazer promessas do que fazê-las e não as cumprir” (Ecl 5,4). Havia
também quem quisesse cumprir as suas promessas oferecendo o que tinha de
menos digno ou valioso em vez de levar ao Templo as suas melhores
posses; é o que observa o Senhor por meio do profeta Malaquias: “Trazeis
o animal roubado, o coxo ou o doente e o ofereceis em sacrifício. Posso
eu recebê-lo de vossas mãos com agrado?… Maldito o embusteiro, que tem
em seu rebanho um animal macho, mas consagra e sacrifica ao Senhor um
animal defeituoso” (Ml 1, 13s). Com o tempo os mestres de Israel
procuravam restringir a prática das promessas, pois podiam tornar-se um
entrave para a verdadeira piedade. No Evangelho Jesus supõe que certos
filhos se subtraiam ao dever de assistir aos pais, alegando que tinham
consagrado a Deus todo o dinheiro disponível:
“Vós por que violais o mandamento de
Deus por causa da vossa tradição? Com efeito, Deus disse: “Honra teu
pai e tua mãe” e “Aquele que maldisser pai ou mãe, certamente deve
morrer”. Vós, porém, dizeis: “Aquele que disser ao pai ou à mãe: Aquilo
que de mim poderias receber, foi consagrado a Deus, esse não está
obrigado a honrar pai ou mãe”. Assim invalidastes a Palavra de Deus por
causa da vossa tradição” (Mt 15, 3-6).
Todavia não consta que o Senhor Jesus
tenha condenado o costume de fazer promessas como tal; ao contrário, os
escritos do Novo Testamento atestam a prática de S. Paulo, que terá sido
a dos cristãos da Igreja nascente e posterior:
“Paulo embarcou para a Síria… Ele havia rapado a cabeça em Cencréia por causa de um voto que tinha feito” (At 18,18).
“Disseram os judeus a Paulo: “Temos
aqui quatro homens que fizeram um voto… Purificar-te com eles, e
encarrega-te das despesas para que possam mandar rapar a cabeça. Assim
todos saberão que são falsas as notícias a teu respeito, e que te
comportas como observante da Lei” (At 21, 23s).
Em síntese, a praxe das promessas não é
má, pois a S. Escritura não a rejeita, mas, ao contrário, torna-se
objeto de determinações legais, como se depreende dos textos abaixo:
Lv 7,16: “Se alguém
oferecer uma vítima em cumprimento de um voto ou como oferta
voluntária, deverá ser consumida no dia em que for oferecida, e o resto
poderá ser comido no dia imediato”.
Nm 15,3: “Se
oferecerdes ao Senhor alguma oferenda de combustão, holocausto ou
sacrifício, em cumprimento de um voto especial ou como oferta
espontânea…”.
Nm 30,4-6: “Se uma
mulher fizer um voto ao Senhor ou se impuser uma obrigação na casa de
seu pai, durante a sua juventude, os seus votos serão válidos, sejam
eles quais forem. Se o pai tiver conhecimento do voto ou da obrigação
que se impôs a si mesma será válida. Mas, se o pai os desaprovar, no dia
em que deles tiver conhecimento, todos os seus votos… ficarão sem valor
algum. O Senhor perdoar-lhe-á, porque seu pai se opôs”.
Dt 12,5s: “Só
invocareis o Senhor vosso Deus no lugar que Ele escolher entre todas as
vossas tribos para aí firmar o seu nome e a sua morada. Apresentareis
ali os vossos holocaustos,… os vossos holocaustos,… os vossos votos…”
Verifica-se, porém, que a prática dos votos nem sempre é salutar, merecendo por isto advertências da parte dos autores sagrados.
2. Qual a justificativa das promessas?
É certo que as promessas não são feitas
para atrair Deus como se atrairia um homem poderoso, capaz de ser
aliciado por dádivas e “pagamentos”; Deus não muda de desígnio; desde
toda a eternidade Ele já determinou irreversivelmente dar-nos o que Ele
nos concede dia por dia. Todavia, ao determinar que nos daria as graças
necessárias, Deus quis incluir no seu desígnio a colaboração do homem
que se faz mediante a oração; com outras palavras: Deus quer dar…, e
dará…, levando em conta as orações que Lhe fazemos. Sobre este fundo de
cena as promessas têm valor não tanto para Deus quanto para nós,
orantes; sim, as promessas nos excitam a maior fervor; são o testemunho e
o estímulo da nossa devoção; supõe-se que quem promete e cumpre a sua
promessa, exercita em seu coração o amor a Deus; ora isto é valioso. Por
conseguinte, quem vive a instituição das promessas em tal perspectiva,
pode estar fazendo algo de bom, pois concebe mais amor e fervor. Diz o
Senhor no Evangelho, referindo-se à pecadora que lhe lavou os pés
pecados lhe estão perdoados” (Lc 7,47). Paralelamente diríamos, pode
estar-se abrindo mais plenamente à misericórdia e à liberalidade do
Senhor Deus.
3. E a casuística das promessas?
Há pessoas que, depois de receber o dom
de Deus, se vêem embaraçadas para cumprir as suas promessas, porque não
têm condições de saúde, de tempo ou de bens materiais para executar o
que prometeram.
Que fazer?
- Antes do mais, afastem a hipótese, às
vezes comunicada por religiões não cristãs, de que, se não “pagarem as
suas obrigações”, estarão sujeitos a graves desgraças; na verdade, Deus
não é vingativo nem é policial que pune contravenções, mas é Pai…, de
tal modo que pensar em Deus deve despertar no cristão sentimentos de
paz, confiança e alegria. Isto, porém, não quer dizer que o cristão
despreocupadamente deixe de cumprir as suas promessas. Quem não as pode
executar, procure um sacerdote e peça-lhe que troque a matéria da
promessa. Esta solução condiz com os textos bíblicos que, de um lado,
exortam a não deixar de cumprir o prometido (cf. Ecl 5,3), e, de outro
lado, prevêem a insolvência dos fiéis e a possibilidade de comutação dos
votos (ou promessas) por parte dos sacerdotes:
“Se aquele que fizer um voto não
puder pagar a avaliação, apresentará a pessoa diante do sacerdote e este
fixá-la-á; o valor será fixado pelo sacerdote de acordo com os meios de
quem fizer voto” (Lv 27, 8; cf. Lv 27,13s.18.23).
Poderá acontecer que, em certos casos, o padre julgue oportuno dispensar, por completo, de certa promessa o fiel cristão.
A propósito convém incutir que, se
alguém quer fazer uma promessa, evite propor certas práticas que são um
tanto irracionais (como ocorre na peça “O pagador de promessas”);
procure, ao contrário, prometer práticas não somente exeqüíveis e
razoáveis, mas também úteis à santificação do próprio sujeito ou ao bem
do próximo. Não tem sentido prometer algo que outra pessoa deverá
cumprir, como é o caso de pais que prometem vestir o seu filho “de São
Sebastião” no dia da festa do Santo; esta prática como tal não fomenta o
amor a Deus e ao próximo. Quanto aos ex-voto
(cabeças, braços, pernas… de cera), que se oferecem em determinados
santuários, podem ter seu significado, pois contribuem para testemunhar a
misericórdia de Deus derramada sobre as pessoas agraciadas; assim
levarão o povo de Deus a glorificar o Senhor; mas é preciso que as
pessoas agraciadas saibam por que oferecem tais objetos de cera, e não o
façam por rotina ou de maneira inconsciente. Entre as práticas que mais
se podem recomendar, apontam-se as três clássicas que o Evangelho mesmo
propõe: a oração, a esmola e o jejum (cf. Mt 6,1-18). Com efeito, a S.
Missa é o centro e o manancial, por excelência, da vida cristã, vida
cristã que se nutre outrossim mediante a oração; a esmola e a
colaboração com o próximo recobrem a multidão dos pecados (cf. 1Pd 4,8;
Tg 5,20; Pr 10,12); o jejum e a mortificação purificam e libertam das
paixões o ser humano, possibilitando-lhe mais frutuoso encontro com Deus
através dos véus desta vida. Se a prática das promessas levar o cristão
ao exercício destas boas obras, poderá ser salutar. Requer-se, porém,
que os pastores de almas e os catequistas instruam devidamente os fiéis a
fim de que compreendam que as promessas nada têm que ver com as
“obrigações” dos cultos afro-brasileiros, mas hão de ser expressões do
amor filial e devoto dos cristãos ao Senhor Deus.
4. Conclusão
Como se vê, a prática das promessas pode
ser fundamentada na própria Bíblia. Verifica-se, porém, que já os
autores sagrados lhe faziam certas restrições. Hoje em dia nota-se que
freqüentemente alimenta uma mentalidade religiosa “comercial” ou
amedrontada e doentia, gerando facilmente o escrúpulo mórbido. Muitas
pessoas se sobrecarregam com promessas e mais promessas que elas não
conseguem cumprir; em vez de fomentar a vida cristã, as promessas a
prejudicam não raras vezes. Por isto é de sugerir que os cristãos
reconsiderem tal costume, que de resto parece mais fundado numa
concepção antropomórfica de Deus (concebido como o Grande Banqueiro,
cuja benevolência é preciso cativar) do que na autêntica visão que o
Cristianismo tem de Deus. Este é Pai, Aquele que nos amou primeiro,
antes mesmo que O pudéssemos amar (cf. 1Jo 4,19.9s; Rm 5,7s); por
conseguinte, somos seus filhos, certos de que o amor do Pai é
irreversível ou não volta atrás, cientes também de que, antes que Lhe
peçamos alguma coisa, Ele já decretou dar-nos tudo o que seja condizente
com o nosso verdadeiro bem; diz São Paulo: “Aquele que não poupou o seu
próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não nos terá dado
tudo com Ele?” (Rm 8,32).
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”D. Estevão Bettencourt, osb.
Nº 262 – Ano 1982 – Pág. 202.
Fonte: Pergunte e responderemos
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