Como
Pronunciar o nome de YHWH?
AMIGO DE DEUS (São
Paulo): «O nome de Deus revelado no Antigo Testamento deve ser
pronunciado JAVÉ ou JEOVÁ?»
1. Para se entender
a resposta, será preciso, antes do mais, observar que os judeus antigos,
seguindo, aliás, a praxe dos semitas em geral, não costumavam escrever senão as
consoantes de seus vocábulos. As vogais deviam ser mentalmente supridas pelo
respectivo leitor, de acordo com os seus conhecimentos gerais da língua
hebraica; algumas consoantes (ou semiconsoantes), tidas como «matrizes ou
indicadoras da leitura» (matres lectionis), serviam para denunciar a presença
dos sons vocálicos.
2.
Pois bem ; no ambiente de Israel, o verdadeiro Deus, a pedido de Moisés, se
dignou revelar aos homens o nome pelo qual havia de ser invocado (cf. Ex
3,13-17) ; tal nome era assinalado pelas consoantes e semiconsoantes YHWH, às quais o leitor devia mentalmente
associar as vogais A e E assim distribuídas: YAHWEH.
Destarte se explica a forma JAVÉ, hoje em dia comumente adotada quando se
transcreve o santo nome de Deus (ou o tetragrama sagrado) para as línguas
modernas.
Os antigos gregos,
ao fazer a transcrição para o grego, usavam uma das seguintes fórmulas: Jabé, Jaoué, Jauai. Estas corroboram a tese
de que a pronúncia dos antigos judeus era JAVÉ.
Os exegetas propõem
mais de uma interpretação possível para o nome Yahweh. Não discutiremos aqui as
diversas sentenças, mas apenas mencionaremos a mais provável: Yahweh parece significar «Eu sou Aquele que
é», em contraste com as criaturas, que são e não são...; Deus se terá destarte
apresentado como o Imutável, em particular como Aquele que é fiel às suas
promessas.
3.
Tal era a reverência tributada pelos israelitas ao nome divino que o tinham na
conta de «Nome por excelência, Nome único, Nome glorioso e terrível, Nome
oculto e misterioso». Temendo profaná-lo por uso indevido, evitavam mesmo
pronunciá-lo, a ponto de se tornar proibido, depois do exílio (séc. VI),
proferir o nome de Deus. Não há dúvida de que esta proibição estava em vigor no
início da era cristã, pois o historiador judeu Flávio José, ao contar a
revelação feita a Moisés, julgava não lhe ser lícito transcrever o nome do
Senhor (cf. Ant. jud. II XII 4). Este então foi sendo considerado como «Nome
que se escreve, mas não se lê».
Os rabinos
medievais quiseram justificar tal veto. interpretando em sentido rigorista os
seguintes dizeres do Levítico: «Aquele que amaldiçoar (noqed)
o nome de Javé, será punido com a morte» (Lev 24,16). O verbo
naqad,
aqui ocorrente, podia significar outrossim «assinalar mediante pontos, designar
distintamente».
A quanto se pode
depreender do Talmud (coleção de sentenças dos rabinos anteriores e posteriores
a Cristo), o santo nome de Javé só era proferido pelo Sumo Sacerdote de Israel
quando entrava no «Santo dos Santos» do Templo no dia solene da Expiação anual,
ou pelos demais sacerdotes que abençoassem o povo no santuário, de acordo com
Núm 6,23-27; mesmo em tais casos, porém, parece que era pronunciado em tom de
voz muito baixa. Um autor do séc. XVII, orientalista holandês, Johannes
Leusden, diz ter oferecido a um judeu pobre de Amsterdam elevadas quantias de
dinheiro para que este proferisse o nome inefável; em vão, porém. Os exegetas creem
mesmo que alguns judeus antigos e modernos não sabiam mesmo como se pronunciava
o tetragrama sagrado, por não terem ocasião de o ouvir.
Os escrúpulos
israelitas que acabamos de referir, deram ocasião a que na tradição judaica,
provàvelmente a partir do séc. IV a.C., se introduzisse o costume de proferir
«Adonai» (Meu Senhor) todas as vezes que se visse escrito o tetragrama JHWH.
4.
Ora aconteceu que no séc. VI d. C. os rabinos ditos «Massoretas» (coletores de
tradições), visando preservar de corrupção o texto bíblico, para isto,
recorreram a um sistema de pontos e traços (símbolos das vogais) a ser
colocados abaixo, dentro ou acima das consoantes. Destarte se removeria a
possibilidade de muitas dúvidas e inovações na leitura da Bíblia Sagrada.
A
tradição judaica, porém, permaneceu fiel ao princípio de que o nome de Deus é
inefável. Consequentemente, os mestres de Israel tomaram as vogais A (= E) O A
do apelativo AdOnAy, e as puseram entre as consoantes do tetragrama sagrado ;
donde se formou o novo titulo JEHOWAH.
Para quem conhece a
língua hebraica, é claro que o primeiro A de Adonay só se explica pela presença
da gutural aleph (') desta palavra. Este A é propriamente um «sheva» ou um E
mudo, e toma tal valor em JEHOWAH, onde já não figura ao lado da gutural aleph.
Quanto ao iod final (Y) de Adonay, não é vogal, mas semiconsoante.
Note-se que no
início da Idade Média a pronúncia do tetragrama munido das vogais E O A
continuava a ser simplesmente ADONAY. Pergunta-se então: em que época precisa
se terá adotado a pronúncia JEOVÁ, resultante direta do grupo de consoantes e
vogais escritas?
Tal modo de
pronunciar é pela primeira vez atestado por Raimundo Martini, autor da obra
«Pugio fidei» no ano de 1270; parece, porém, que já estava em uso nas escolas
rabínicas anteriores. Só foi adotado pelos cristãos no séc. XVI; principalmente
os protestantes, tendo à frente o calvinista Teodoro Beza de Genebra, lhe deram
voga.
É
fato que os judeus antigos nunca pronunciaram JEOVÁ;
nunca portanto o povo a quem o Senhor outrora dirigia a sua palavra se disse
«testemunha de JEOVÁ», nem mesmo após as solenes proclamações de Isaias 43,10 e
44,8: «Vós sois minhas testemunhas, diz o Senhor, e meus servos, que escolhi»;
«Sois testemunhas minhas ; haverá outro Deus fora de Mim?». O povo a quem estas
palavras imediatamente se dirigiam, ter-se-ia intitulado: testemunha de Adonai.
De: Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
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