06 novembro 2014

Um "milagre" não significa necessariamente uma cura instantânea







Um seminarista com o mesmo câncer de Brittany Maynard quis dissuadi-la do suicídio escreveu-lhe  com uma carta


«Nosso sofrimemto pode ter um grande significado»

Sábado passado, 01/11/2014, a jovem norte-americana Brittany Maynard, de 29 anos,suicidou- se, tal como havia anunciado semanas antes, porque lhe haviam diagnosticado um tumor cerebral em fase terminal e queria -disse- morrer "com dignidade" e não passar os difíceis seis meses de vida que lhe haviam diagnosticado. Ingeriu uma dose letal de barbitúricos em seu domicilio de Portland (Oregón), apesar de que uns dias antes havia manifestado que renunciava a seu plano suicida.

A repercussão midiática do caso chegou até outro jovem compatriota seu, Philip Johnson, seminarista da deu cese de Raleigh (Carolina do Norte), de sua mesma idade e com similar diagnóstico. O dia 22 de outubro passado (antes, portanto, da morte de Brittany), Philip lhe dirigiu umacarta públicapara tentar dissuadi-la, missão que deu a conhecer a página web diocesana e que reproduzimos a continuação em sua integridade.

Querida Brittany: vale a pena viver nossas vidas, inclusive com um tumor cerebral
Fa uns dias li a desoladora historia de Brittany Maynard, a mulher de 29 anos a que se lhe ha diagnosticado um câncer terminal de cérebro um ano depois de sua boda. Quando os médicos lhe disseram que lhe restavam só seis meses de vida, ela e sua família se trasladaram da California a Oregon para obter as permissões necessárias para a eutanásia assistida por médicos. Está dedicando seus últimos dias a captar fundos e fazer pressão em favor de uma organização cujo fim é a expansão da legalização do suicídio assistido a outros Estados.

" Deus meu, por quê eu?"
A historia de Brittany me chega ao mais profundo, porque em 2008, quando tinha vinte e quatro anos, fui diagnosticado de um câncer similar, também incurável. Depois de sofrer durante anos de dores de cabeça e de sofrer vários diagnósticos errôneos, meu câncer de cérebro de grau III (Astrocitoma anaplástico) era inoperável devido a sua localização. A maioria dos estudos afirmam que o tempo médio de sobrevida para este tipo de câncer é de dezoito meses, inclusive com radioterapia e quimioterapia agressivas. Nessa época havia iniciado, com grande entusiasmo, minha carreira como oficial da marinha e tinha toda a vida adiante. Tinha muitas esperanças e sinhos e, em um instante, todos eles se despedaçaram. Como Brittany dizia em seu vídeo na internet, "que te digam que tens este tipo de limite é como se te dissesem que vais a morrer amanhã”.

Fui diagnosticado durante meu segundo desenvolvimento naval no norte do Golfo Pérsico. Depois de sofrer vários ataques, o médico da embarcação me enviou ao hospital naval de Bahrein, nação situada em uma ilha do Golfo Pérsico, donde descobriram meu tumor cerebral. Recordo o momento em que vi as imagens por computador do TAC cerebral: fui à capela católica da base e caí ao solo chorando. Perguntei a Deus: "Por quê eu?". No dia seguinte voava de volta aos Estados Unidos para começar um tratamento urgente. Uns meses depois de receber radioterapia e quimioterapia abandonei a Marinha e comecei minha formação para ser sacerdote, uma vocação a que me havia sentido chamado desde que tinha dezenove anos. Apesar de todas as dificuldades e atrasos em minha educação e formação nos últimos seis anos, esmas ser ordenado diácono na primavera do ano que vem e sacerdote um ano mais tarde.

"Minha vida significa algo"
Tenho vivido estes seis anos com moléstias, ataques e dores de cabeça constantes. Tenho mudado frequentemente de hospitais e médicos, as vezes em poucos meses, buscando um resto de esperança que me faça sobreviver. Como Brittany, tampouco eu quero morrer ou sofrer a lógica consequência final desta enfermidade. Não creio que ninguém queira morrer desta maneira. Brittany declara que sente alivio ao saber que no tem que morrer do modo como lhe têm explicado que morreria: ela pode morrer "segundo seus próprios finais". Eu também perguntei aos médicos que me dissessem como procederá minha enfermidade.

Sendo ainda jovem perderrei gradualmente o controle de minhas funções corporais, desde paralisias a incontinência, e é muito provável que minhas faculdades mentais desapareçam e me levem a estados de confusão e alucinações antes de minha morte. Isto me aterroriza, mas não me faz menos humano do que sou. Minha vida significa algo para mim, para Deus, para minha família e amigos, e a menos que ocorra uma recuperação milagresa, seguirá significando muito depois de que estiver paralisado em uma cama de hospital. Minha família e amigos me amam pelo que sou, nãoo só pelos recursos de minha pessoalidade que pouco a pouco desaparecerão se o tumor progrida e me quita a vida.

"Eu desejava que o câncer crescesse"
É evidente que tenho vivido muito mais do que se esperava a princípio; eu o atribuo ao apoio e as orações das pessoas que me têm ajudado a manter uma atitude positiva. Nunca declararei que lidei com a enfermidade de maneira heroica ou com grande valor, apesar do que outros possam observar ou crer dado meu caráter reservado. Sou tímido e introvertido e não deixei que muita gente conhecer a profundidade de meu sofrimento. Houve momentos nestes últimos seis anos em que desejei que o câncer crescesse e levasse minha vida rapidamente para que tudo acabasse por fim. Outras vezes busquei formas de escapar através do pecado e a negação para assim deixar de sofrer e de sentir tristeza, embora fosse durante uns breves instantes. Sem dúvida, no profundo de meu coração sabia que este enfoque era inútil. Minha enfermidade se converteu em parte de mim mesmo e embora no me defina como pessoa, me conformou no que sou e no que me converterei.

"Milagres onde nuca acreditei que os encontraria"
No vídeo de Brittany, sua mãe disse que sua esperança imediata é um milagre. Minha resposta a meu diagnóstico foi a mesma : esperava em uma recuperação milagresa para não ter que lutar com o sofrimento e a dor que seguramente chegariam. Sem dúvida, agora me dou conta de que um "milagre" não significa necessariamente uma cura instantânea. Se assim fosse, não morreríamos mais durante em nossa vida por qualquer outra causa? Há alguma razão para que mereçamos viver outros quinze, vinte ou trinta anos mais? Cada dia de nossa vida é um dom e os presentes podem ser subtraidos em qualquer instante. Qualquer pessoa que sofra de uma enfermidade terminal ou que perdeu a alguém querido sabe disso muito bem.

Ter sobrevivido a meu lúgubre pronóstico -o que creio que é um milagre-, mas o mais importante é que experimentei inúmeros milagres em lugares onde nunca cri que os encontraria. Através de minha preparação ao sacerdócio pude entrar em empatia com os enfermos e os que sofrem em hospitais e casas de tratamento. Tenho viajado a Lourdes, na França, ao lugar da aparição da Virgem Maria e lugar de cura física e espiritual que é visitado por milhões de peregrinos cada ano. Tive a grande oportunidade de servir ali aos enfermos, que confiam em Deus com todo seu coração para que dê sentido a seu sofrimento. A través de minha interação com estas pessoas, recebi muito mais do que dei. Aprendi que o sofrimento e a dor, que são parte da condição humana, nãoo são inúteis e que não devem ser evirados pelo fato de que tenhamos medo ou porque busquemos o controle em uma situação aparentemente incontrolável. Talvez seja este o milagre mais importante que Deus quer que experiente.

"Nossa vida não nos pertence"
O sofrimento não é inútil e nossa vida não nos pertence, pelo que não podemos acabar com ela. Como humanos estamos em relação: nos relacionamos uns com os outros e as ações de uma pessoa afetam a outras. Desgraçadamente, o conceito de "sofrimento redentor" -esse sofrimento humano vinculado ao sofrimento de Jesus na Cruz para nossa salvação e que pode beneficiar a outros- atualmente é frequentemente ignorado ou se perdeu.

Se entende perfeitamente que se proporcione medicação para paliar e limitar o sofrimento na medida do possível durante a agonia, especialmente de uma enfermidade terminal, mas é impossível evitar o sofrimento totalmente. Não buscamos a dor pela dor, mas nosso sofrimento pode ter um grande significado se tentamos vincula-lo à Paixão de Cristo e ofrece-lo pela conversão ou as intemções de outros. Embora frequentemente nos aterroriza, o sofrimento e a dor que experimentamos em nossas vidas pode converter-se em algo positivo. Isto tem sido muito difícil para mim, mas é possível consegui-lo.

"Uma realidade importante da vida"
Há uma nota na página web de Brittany em que se pedem firmas para “apoiar sua valentia neste árduo período". Estou de acordo de que este período é duro, mas sua decisão é de todo menos valente. Sinto por ela e entendo sua difícil situação, mas nenhum diagnóstico justifica o suicídio . Um diagnóstico de câncer terminal muda totalmente a vida da pessoa, e a decisão de cometer suicídio assistido é uma intenção de manter um pequeno controle em meio à confusão. Pode-se entender que um sinta a temtação de curar-se assim, mas isto é o que é: uma temtação que quer evitar uma realidade importante de a vida. Morrer segundo "os próprios fins" parece que faz da morte algo mais confortável em nossa cultura esterilizada e tende a evitar qualquer menção do sofrimento e da morte que, com o tempo, nos chegam a todos.

Brittany comenta: “Espero morrer em paz. A razão para considerar a vida e o que tem valor é assegurar-se de que não perdes nada, que aproveitas o momento, o que é importante para ti, o que te preocupa -o que te importa-, perseguindo isto e esquecendo-te do resto”. Desgraçadamente, Brittany perderá alguns dos momentos mais íntimos de sua vida: as pessoas que ama consolando-a de seu sofrimento, seus últimos e mais pessoais instantes com sua família e o grande mistério da morte -a mudança de uma opção mais rápida e com "menos sofrimento" que se centra mais nela mesma que em qualquer outra pessoa. Em nossa cultura, que tenta evitar a dor a qualquer preço, nãoo é difícil de entender por que esta resposta é tão comum entre os que sofrem.

"Quero ser sacerdote"
Senti muita tristeza por causa de minha enfermidade, mas houve também grandes momentos de alegria. O apoio que recebi de outras pessoas me anima a seguir adiante. Quero ser sacerdote, quero ver a meus três sobrinhos pequenos crescer e estes objetivos me dão esperança e fazem que me levante cada dia e viva minha vida com confiança.

Seguirei rezando por Brittany enquanto ela luta com sua enfermidade, porque sei exatamente pe lo que está passando. Sigo estando triste. Sigo chorando. Sigo pedindo a Deus que me mostre sua vontade através de todo este sofrimento e que me permita ser seu sacerdote se esta é seu desejo, mas sei que não estou só em meu sofrimento. Tenho a minha família, a meus amigos e o apoio de toda a Igreja universal. Caminho pela mesma senda pela que caminha Brittany, mas nunca temi caminhar só. Esta é a beleza da Igreja, nossas famílias e o apoio que nos damos os uns aos outros com a oração.

Desejo que Brittany compreenda o amor que todos sentimos por ela antes de que se quite a vida; se, pelo contrário, decida lutar contra sua enfermidade, sua vida e testemunho serão um exemplo incrível, de grande inspiração para um sem número de pessoas em sua situação. Certamente, será de inspiração para mim em minha própria luta contra o câncer.


 



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