Muitos protestantes através de livros, folhetos e sítios na Internet, procuram defender sua posição contra os livros deuterocanônicos do AT, afirmando que estes livros contêm heresias. Segundo eles, (que eles chamam de apócrifos) não são livros canônicos porque ensinam as seguintes heresias:
1. perdão do pecado mediante esmolas: Dizem que Tobias 12,9; 4,10; Eclesiástico 3,33 e 2 Macabeus 43-47 ensinam que as esmolas apagam os pecados, negando então a redenção do sacrifício de Cristo e por isso não podem ser considerados canônicos. Primeiro estas referências são do AT, portanto não podem ter qualquer relação com o sacrifício de Cristo. Segundo, elas estão em plena conformidade com o AT, que ensina que o bem feito ao próximo será considerado em nosso julgamento. Este é o princípio das esmolas. E esta mesma doutrina se encontra em Prov 10, 12, por exemplo. Será que o Livro dos Provérbios não é canônico também? Em terceiro lugar, esta mesma doutrina é confirmada no NT, basta verificar Mc 9,41; Lc 11,41. Jesus confirma até mesmo o valor da esmola juntamente com outras formas de piedade (cf. Mt 6,2-18), veja também 1 Pd 4,8; At 10,3-4; 10,31.
2. a vingança e a prática do ódio contra os inimigos: Dizem que isto está em Eclo 12,6 e Judite 9,4 e contradiz ferozmente Mt 5,44-48. Mais uma vez Eclo diz respeito ao AT, onde valia a lei do retalião. Se o Livro do Eclesiástico não é canônico por esta razão, também não são Êxodo, Deuteronômio e Levítico, veja Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,19-21.
3. prática do suicídio: Dizem que o ensino sobre a prática do suicido está em 2 Macabeus 14,41-42. Entretanto em Jz 16,28.30 Sansão se suicida e sua morte é tida como grandiosa pelo autor do Livro de Juízes. A Bíblia possui diversos casos de suicídio - principalmente entre guerreiros -basta ver: Jz 9,54; 16,28-29; 1Sm 31,4-5; 2Sm 17,23; 1Rs 16,18.
4. ensino de artes mágicas: Dizem que Tobias 6,8-9 favorece a prática de artes mágicas. Ora, em Tobias 8,3 vemos que não é Tobias quem expulsa o demônio, mas sim o Anjo Rafael. O interesse era ocultar a ação do Anjo para Tobias. Em Jo 9,6 vemos que Jesus reconstituiu os olhos de um cego com saliva e logo em Tg 5,14 há instruções para usar óleo na cura de enfermos; será que por isso estes livros também deixaram de ser canônicos?
5. prática da mentira: Dizem que Judite 11,13-17 e Tob 5,15-19 favorecem a prática de mentiras. Abrão disse ao rei Abimelec que Sara era sua irmã, e na verdade era sua esposa (Gn 20,2). Jacó, auxiliado pela mãe, mente ao pai cego, dizendo que era o filho mais velho e no entanto era o mais novo (cf. Gn 27,19), além de também enganar o sogro (cf. Gn 31,20). Será que o livro de Gênesis também não é canônico?
6. erros históricos e cronológicos: Dizem ainda que os livros de Baruc e Judite são cheios de contradições em relação aos protocanônicos do AT. Devemos nos lembrar que a Sagrada Escritura não é um livro histórico ou geográfico, nela Deus através das limitações humanas comunicou seus desígnios. Veja que II Reis 8,26 se contradiz com II Cro 22,2; II Reis 23,8 também se contradiz com I Cro 11,11. Isto também faz deles livros não canônicos?
Há citações dos deuterocanônicos do AT no NT?
Um grande motivo de disputa entre
católicos e protestantes em relação ao Cânon Bíblico diz respeito a um
conjunto de sete livros disponíveis na Septuaginta, além de acréscimos
nos Livros de Daniel e Ester; e que se encontram no AT católico e
ortodoxo e não no protestante. Estes livros são considerados apócrifos
pelas confissões protestantes e deuterocanônicos pelas confissões
católica e ortodoxa. São eles: Judite, Baruc, Sabedoria de Sirac,
Eclesiástico, 1o. Macabeus, 2o. Macabeus e Tobias.
As confissões protestantes acreditam que
este conjunto de livros apresenta erros doutrinários e até mesmo
heresias; por isso seriam contrários à Fé Cristã. Porém, o fato do NT
possuir tantas referências à versão da Septuaginta, que continha esses
livros, pode ser um indício de que nem os judeus de Alexandria, nem os
da Palestina, nem Jesus e nem os Apóstolos, tiveram qualquer restrição a
esses livros, ou então por que usariam uma versão bíblica que continham
livros heréticos?
Há ainda objeções que afirmam que nem
Jesus e os Apóstolos citaram os deuterocanônicos. Ora, se este fosse um
critério verdadeiro para determinar a conformidade de um livro com a Fé
Cristã, estariam em não conformidade pelo menos os livros Juizes,
Crônicas, Ester, Cântico dos Cânticos, que também não são citados
por eles. Entretanto, não é verdade que falta no NT referências
aos deuterocanônicos do AT.
Por exemplo, em Hebreus 11, somos animados a imitar os heróis do AT, “as
mulheres [que] receberam a seus mortos pela ressurreição. Alguns foram
torturados, recusando aceitar ser libertados, para poder levantar-se
novamente a uma vida melhor” (Hb 11,35). Nos protocanônicos
do AT (que corresponderia ao AT Protestante), encontramos vários
exemplos de mulheres recebendo a seus mortos mediante ressurreição.
Encontraremos Elias ressuscitando o filho da viúva de Sarepta em 1 Reis
17, encontraremos seu sucessor Eliseu ressuscitando o filho da mulher
sunamita em 2 Reis 4. Mas jamais encontraremos (desde Gênesis até
Malaquias) algum exemplo de alguém sendo torturado e recusando aceitar
ser liberto, por causa de uma melhor ressurreição. A história, cuja
referência é feita em Hebreus, se encontra em um dos livros
deuterocanônicos, a saber, em 2 Macabeus. Vejamos:
“[durante a perseguição dos Macabeus]
Também foram detidos sete irmãos, junto com sua mãe. O rei,
flagelando-os com açoites e feixes de couro de boi, tratou de obrigá-los
a comer carne de porco, proibida pela Lei. [...] Os outros irmãos e a
mãe se animavam mutuamente a morrer com generosidade, dizendo: ‘o Senhor
Deus está nos vendo e tem compaixão de nós...’ Uma vez que o primeiro
morreu [...] levaram o suplicio ao segundo [...] também ele sofreu a
mesma tortura que o primeiro. E quando estava por dar o último suspiro, disse: ‘Tu, malvado, nos privas da vida presente, mas o Rei do universo nos ressuscitará a uma vida eterna, se morrermos por fidelidade às suas leis’” (2 Mac 7,1.5-9)
Um após outro os filhos morrem, proclamando que serão recuperados na ressurreição. Vejamos ainda:
“Incomparavelmente admirável e digna
da mais gloriosa lembrança foi aquela mãe que, vendo morrer a seus sete
filhos em um só dia, suportou tudo valorosamente, graças à esperança que
tinha posto no Senhor. Exortava a cada um deles, [dizendo] ‘Eu não sei
como vocês apareceram em minhas entranhas; não fui eu que lhes dei
o espírito e a vida nem fui eu que ordenou harmoniosamente os membros de
seu corpo. Por conseguinte, é o Criador do universo, o que formou o
homem em seu nascimento e determinou a origem de todas as coisas, quem
lhes devolverá misericordiosamente o espírito e a vida, já que vocês se
esquecem agora de si mesmos por amor à suas leis’, dizendo ao último:
‘Não temas a este verdugo: mostra-te digno de seus irmãos e aceita a
morte, para que eu volte a encontrá-lo com eles no tempo da
misericórdia’” (2 Mac 7,20-23.29).
Perceba o leitor que em Hb 11,35, o escritor sagrado, ao ensinar um artigo de Fé refere-se a um exemplo de testemunho, que se encontra somente em um dos livros deuterocanônicos. Ora, se por isto o livro dos Macabeus contivesse alguma doutrina estranha à fé, com toda certeza o autor da Carta aos Hebreus, evitaria mencioná-lo em sua pregação.
Esta informação possui mais um detalhe
muito importante: a Carta aos Hebreus foi escrita para os judeus da
Palestina, demonstrando mais uma vez que a versão da Septuaginta foi
também aceita por eles; caso contrário, não faria sentido o escritor
sagrado fazer referência a uma história que não era conhecida por seus
destinatários.
Também é importante saber que em alguns dos livros deuterocanônicos do AT, há revelações divinas confirmadas no NT. Por exemplo:
“Quando tu oravas com lágrimas e
enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os
mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse a
noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor. Mas
porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse.
Agora o Senhor enviou-me para curar-te e livrar do demônio Sara, mulher
de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor” (Tobias 12,12-15) (grifos meus).
Em nenhum lugar nos livros protocanônicos do AT, há alguma revelação dos 7 anjos que assistem na presença do Senhor e que Lhe entregam as orações dos justos. Esta revelação é confirmada no livro do Apocalipse:
“Eu vi os sete Anjos que assistem diante de Deus.
Foram-lhes dadas sete trombetas. Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto
ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos
perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos
no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu
da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus.
Depois disso, o anjo tomou o turíbulo, encheu-o de brasas do altar e
lançou-o por terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e terremotos” (Ap 8,2-5) (grifos meus).
Um outro caso intressante está no livro da Sabedoria:
“Ele se gaba de conhecer a Deus, e se
chama a si mesmo filho do Senhor! Sua existência é uma censura às
nossas idéias; basta sua vista para nos importunar. Sua vida, com
efeito, não se parece com as outras, e os seus caminhos são muito
diferentes. Ele nos tem por uma moeda de mau quilate, e afasta-se de
nossos caminhos como de manchas. Julga feliz a morte do justo, e
gloria-se de ter Deus por pai. Vejamos, pois, se suas palavras são
verdadeiras, e experimentemos o que acontecerá quando da sua morte,
porque, se o justo é filho de Deus, Deus o defenderá, e o tirará das
mãos dos seus adversários. Provemo-lo por ultrajes e torturas, a fim de
conhecer a sua doçura e estarmos cientes de sua paciência. Condenemo-lo a
uma morte infame. Porque, conforme ele, Deus deve intervir” (Sabedoria 2,13-21).
A profecia acima se refere ao escárnio promovido pelo Sinédrio contra o Senhor Jesus. Veja o testemunho do NT sobre o seu cumprimento:
“A multidão conservava-se lá e
observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo:
Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido
de Deus! [...] Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo. [...] Um dos
malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo,
salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!” (Lc 23,35.37.39).
“Mas Jesus se calava e nada
respondia. O sumo sacerdote tornou a perguntar-lhe: És tu o Cristo, o
Filho de Deus bendito? [...] Alguns começaram a cuspir nele, a tapar-lhe
o rosto, a dar-lhe socos e a dizer-lhe: Adivinha! Os servos igualmente
davam-lhe bofetadas” (Mc 14,61.65)
“Querendo Pilatos satisfazer o povo,
soltou-lhes Barrabás e entregou Jesus, depois de açoitado, para que
fosse crucificado. [...] Davam-lhe na cabeça com uma vara, cuspiam nele e
punham-se de joelhos como para homenageá-lo. Depois de terem
escarnecido dele, tiraram-lhe a púrpura, deram-lhe de novo as vestes e
conduziram-no fora para o crucificar” (Mc 15,15.19-20).
“salva-te a ti mesmo! Desce da cruz!
Desta maneira, escarneciam dele também os sumos sacerdotes e os
escribas, dizendo uns para os outros: Salvou a outros e a si mesmo não
pode salvar! Que o Cristo, rei de Israel, desça agora da cruz, para que
vejamos e creiamos! Também os que haviam sido crucificados com ele o
insultavam” (Mc 15,30-31).
É importante dizer que nos protocanônicos do AT, há registro de coisas muito reprováveis, como as filhas de Lot engravidaram dele, depois de o embebedar (Gn 19,30-36). O Rei Saul consultou uma espírita (I Reis 28,8), Abraão arrumou um filho fora de seu casamento (Gn 16), e o Patriarca Jacó vários (Gn 30,4-5.7.9-10.12). Davi planejou a morte de um de seus soldados para ficar com sua esposa (cf. 2 Sm 11). Alguém poderia dizer ainda que o Livro de Gênesis promove a poligamia (cf. Gn 29,28-30) e todos os cristãos sobre a terra ainda o consideram canônico apesar disso. Portanto, se não é o juízo subjetivo e pessoal que coloca ou retira livros no Cânon Bíblico, o que é? Qual foi o juízo adotado pelos primeiros cristãos para receber ou não um livro como canônico?
O critério deles foi o mesmo dos
cristãos que viveram na era apostólica quando aceitaram que a Lei de
Moisés não era necessária para alcançar a Justiça (cf. At 15): o
discernimento da Única e Verdadeira Igreja de Cristo.
De: veritatis.com.br
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