Neste 30 de setembro, mês no qual a Igreja celebra com mais fervor a Palavra de Deus, segue uma ficha para a Lectio Divina escrita por Dom Henrique Soares da Costa
A Lectio Divina
é uma leitura orante, contemplativa da Escritura Sagrada. A atitude
fundamental para aquele que a pratica é a certeza que, aquele que
freqüenta a Escritura, freqüenta o coração de Deus. Isto mesmo: ler a
Escritura de modo orante é perscrutar o coração do Senhor Deus! Assim,
o orante coloca-se numa atitude de escuta: "Fala, Senhor, que teu servo escuta!"
O orante deve também ter a firme certeza que o Senhor lhe fala
pela sua Palavra. Esta Palavra é o próprio Cristo Jesus, de quem fala
toda a Escritura! Se ele tiver um coração aberto, pobre, disponível,
compreenderá o quanto a Palavra lida numa atitude de escuta é palavra
que o Senhor pronuncia no hoje de sua vida!
No entanto, a Lectio
não é uma leitura intimista. O orante sabe que a Escritura é, antes
de mais nada, um livro da Igreja: é primariamente ao seu povo que Deus
dirige sua Palavra, é com ele que contrai aliança. O fiel participa
desta aliança e escuta esta Palavra enquanto membro do Povo de Deus!
Daí mesmo ser importante não escolher leituras a gosto do momento ou dos sentimentos, mas ler a Escritura como lectio continua ou tomar as leituras que a Igreja propõe cada dia na Liturgia da Palavra da Eucaristia.
Aqui proporemos uma seqüência dos livros da Escritura, de modo a
lê-la completamente. Para as informações sobre cada livro da Escritura
utilizei basicamente o Missal Cotidiano das Edições Paulinas.
Esquema geral
· Escolha uma hora fixa para a lectio;
· o tempo não deve ser muito curto: ao menos meia hora!
· O local para a lectio deve ser tranqüilo e acolhedor, de modo a ajudar no recolhimento.
· Num
espírito de fé, é importante ter veneração e respeito pelo Livro das
Escrituras: trate com respeito e veneração sua Bíblia. Pode-se
exprimir isto acendendo uma pequena vela ao lado da Bíblia durante a lectio.
· A
leitura deve ser iniciada com o sinal da cruz e a oração com o Sl
118. Cada vez lê-se um bloco de oito versículos, de modo que se reze,
pouco a pouco, todo o salmo. Terminado, volta-se ao início.... Este
salmo canta a lei de Deus: em cada versículo há um sinônimo da lei:
ela é palavra, decreto, testemunho, norma, preceito, mandamento... Ou
seja, a Escritura é toda ela o coração amoroso de Deus que nos é
mostrado, revelado. Na Escritura lemos o coração de Deus!
· Terminado
o salmo, lê-se o texto daquele dia. A leitura deve começar a partir
de onde se parou no dia anterior: deve-se ler o livro todo! Pode-se
ler um ou dois capítulos por dia. Se uma palavra, uma frase tocou,
pare, repita-a: é a Palavra de Deus, viva e eficaz. Esta Palavra é o
próprio Cristo Jesus ressuscitado, Verbo feito carne!
· Terminada
a leitura, tome um salmo do saltério. Não qualquer salmo, mas o da
vez. Deve-se começar do Salmo 1 até o 150 (menos o Sl 118, que é
rezado no início). Se o salmo for muito longo, pode-se dividi-lo em
duas ou mais partes.
Ordem de leitura dos livros
Gênesis
Começa-se com o Pentateuco: os cinco primeiros livros, que é a Torah dos judeus. É a Lei (na verdade torah
significa instrução). É importante ter sempre presente que toda a
Escritura cumpre-se em Cristo, caminha para ele! Aquelas passagens que
escandalizariam nossa sensibilidade atual devem ser sempre vistas como
preparação para o Senhor Jesus - só Cristo é a plenitude da torah!
Gênesis
é o livro das origens ou dos inícios, como indica a etimologia. Mas
são dois os inícios: o do mundo e da humanidade (Gn 1 - 11) e o do
povo de Deus desde Abraão até José (Gn 12-50)
Gênesis 1-11:
O quadro oferecido ao leitor pelos onze primeiros capítulos é
harmônico e equilibrado: fala da criação do cosmo, da vida dos animais
e do homem; segue-se o homem em suas vicissitudes tristes e alegres,
em sua evolução e multiplicação pela terra.
A liturgia faz ler essas vicissitudes antes da Quaresma.
Tem-se
também ocasião de meditar sobre as importantes verdades da fé: Deus
criador e vencedor do caos, a saber, Salvador (cap. 1) ; Deus que
chama o homem para ser protagonista e construtor, com ele, de sua
história (cap. 2) ; a ruptura entre o homem e Deus pelo pecado (cap.
3). A partir deste ponto de ruptura, a história desenrola-se em duas
linhas: I) a história do homem sem Deus: Caim, Lamec; a corrupção que
precede o dilúvio, a torre de Babel; 2) a história dos homens com
Deus, dominada pela promessa (3,15), caracterizada pelo agir com Deus:
Abel, Set, Henoc, Noé, Sem; e culminando na aliança com Noé (9,1-17).
O arco-íris, sinal dessa aliança, indica o destino da humanidade: a
terra é de novo unida ao céu. Gênesis 1- 11 fala de toda a humanidade.
Gênesis 12-50.
Contudo, após a grande apostasia, simbolizada pelo relato da torre de
Babel, a Bíblia apresenta em Gênesis 12 - 50 os inícios do povo de
Deus, narrando as peripécias de Abraão, Isaac Jacó e José enquanto se
perfila no horizonte o destino da tribo de Judá (tribo da qual
nascerão o rei Davi e o Messias). Trata-se de verdadeira história
(séculos XIX-XVII aC) porém se acrescente: história da salvação. Ou
seja: a preocupação dos autores sagrados não é fazer crônica, mas,
baseados nas tradições históricas dos antigos, meditar sobre o
relacionamento de Deus com o seu povo, Dessa história se devem
recolher os dois elementos essenciais: a iniciativa de Deus que escolhe
ou elege, e a livre e responsável resposta do homem à ação de Deus,
resposta que pressupõe a fé. O objeto da fé é a promessa com seus três
elementos fundamentais:
1) numerosa posteridade (12,2; 15,5);
2) dom
da terra após a escravidão do Egito (12,7; 15,13-16), tema este que
continua na vida de Abraão (cap. 23), nas andanças de Jacó (28,13;
cap.32; 49,29-30) e no proceder de José (50,24-25);
3) o anúncio de que em Abraão serão abençoados todos os povos da terra (12,3; 18,18).
Êxodo
O
livro do Êxodo começa recordando que foi realizada a primeira parte
da promessa: a numerosa posteridade prometida a Abraão. O Êxodo é a
aventura daqueles que eram escravos no Egito (1,8-14; cf. Gn
15,13-1.6). A leitura deste livro deve, porém, ser feita com a atenção
voltada para a segunda parte da promessa "o dom da terra após a
escravidão". O Êxodo torna-se, então, o caminho para a liberdade,
liberdade que é dom e conquista. A iniciativa parte de Deus, cujo nome
é IHWH
(3,13-15), que significa "Aquele que faz existir", concretamente,
aquele que faz deveras que uma massa de escravos seja povo. A passagem
da escravidão para a liberdade chama-se Páscoa (caps. 12.14), mas sua
conquista exige fidelidade e é sempre um risco. O pão da liberdade
pode ser menos saboroso que o outro, aquele da escravidão (cap.16) .
O
Êxodo é um livro de peregrinos para peregrinos. A libertação e
peregrinação de Israel serão profecias da libertação cristã e do êxodo
nosso e da Igreja nos caminhos da vida, rumo à Terra da Promessa.
Levítico
A
verdadeira liberdade dá-se no encontro entre o homem e Deus, ou seja,
na Aliança. Sob esta luz é que devem ser lidos os caps.19.23.25 e os
caps. 19-40 do Levítico. Este livro, que pode nos parecer
demasiadamente legalista e sem graça, deve ser lido numa perspectiva
cristológica: a Lei é preparação para Cristo; é Deus que educa o seu
povo como um pai educa seu filho. Na Lei Israel encontrará a sabedoria
e a vida. Para nós, a Lei é a vontade de Deus, soprada a cada dia no
nosso coração pelo Espírito do Cristo ressuscitado, derramado sobre nós.
Outro tema importante do Levítico é a santidade: IHWH é um Deus santo, que exige de nós a santidade de vida e procedimento.
Números
O
nome "Números" vem da Bíblia grega. A hebraica traz por título: "No
deserto". O livro é bastante significativo pelos trechos adotados na
liturgia do cap. 11 ao cap.24), que, na linha do Êxodo, continuam a
narrar o caminho para a terra prometida e as responsabilidades de
Israel na busca da liberdade. Do cap. 21 ao 25 o livro dos Números
fala da chegada à Transjordânia, do cap. 26 ao 36, dos preparativos
para entrar na terra dos Pais.
Deuteronômio
No
texto sagrado e na leitura litúrgica o Deuteronômio é colocado entre o
livro dos Números e o de Josué. É quase totalmente composto de três
longos discursos: 1,1-4,40; 4,41 - 28,69; 29,1 - 30,20 e dá poucas
informações históricas. Com um artifício literário fácil de perceber, o
autor põe os discursos nos lábios de Moisés, o que permite ler o
quinto livro da Bíblia como uma tomada de consciência dos esforços que
deve o povo assumir se quiser possuir a terra prometida aos Pais. De
fato Canaã (nome mais antigo do que "Palestina") não será nunca uma
terra conquistada para sempre: poderá perder-se. Israel deverá
considerar-se cada dia pronto a entrar nela, a recebê-la cada dia como
dom e sentir-se cada dia em perigo de perdê-la. Tudo depende da
fidelidade à Aliança, tema central e ponto-chave do livro. O texto, em
forma de discurso dirigido a Israel, é extremamente atraente e
comprometedor: Israel é a Igreja, Israel sou eu!
O
tempo que levou a composição ultrapassa um século, caracterizado,
porém, por dois momentos fundamentais. Pelo fim do século VIII aC
teve-se a primeira edição. Foi obra de . um Ievita-peregrino do reino
do Norte que, ante a queda de Samaria (ano 721) e a deportação
assíria, percebeu a importância do reino de Judá com a centralização
do culto em Jerusalém. Sua obra compreende os caps. 5-9.12-26.28. Seu
escopo era indicar na Aliança o único caminho para possuir a terra. A
segunda edição, compreendendo todos os demais capítulos do atual
Deuteronômio, deve ter tido início a partir do momento favorável da
reforma de Josias (640-609 aC) e ter sido completada pelo fim do
século VII por obra da "escola deuteronomística". Esta escola é aquela
corrente de pensamento teológico em Israel que adota as idéias do
Deuteronômio: se Israel for fiel, terá a terra e a bênção; caso
contrário, perderá a terra e terá a maldição. É ela que dará origem a
história do deuteronomista, que contará a história de Israel,
demonstrando que o povo termina exilado porque foi infiel a IHWH.
Assim,
a história do deuteronomista, que vai da conquista da terra prometida
até o exílio de Babilônia é narrada pelos livros de Josué e dos
Juízes, pelos dois livros de Samuel e os dois dos Reis. Certamente sua
redação escrita pode haver sido começada nos inícios da monarquia
(XI-X século) . Mas quando falamos de História deuteronomística
entendemos a releitura da história feita pelos círculos ou escolas
deuteronomistas pouco antes do exílio (587-538 a.C.) ou em seu início.
Nesta história os fatos sintonizam com a teoria religiosa enunciada
pelo Deuteronômio. A fidelidade à Aliança permanece, por isso, o único
verdadeiro ponto-chave. Não se trata, portanto, simplesmente de
história, mas d e uma história narrada do ponto de vista religioso,
história relida religiosamente! Para história no sentido cronístico,
os próprios autores destes livros remetem a outras fontes de
informação (cf. 1Rs 14,19.29;15,7.23 etc.).
Vamos,
portanto, acompanhar uma boa parte da história de Israel: desde a
entrada na terra, com Josué, e o tempo dos juízes, passando pelos
inícios e desenvolvimento da monarquia, pelos grandes profetas, até o
fim trágico da independência de Israel, com o Exílio de Babilônia. O
relacionamento de Israel com o seu Deus, é o nosso... feito de
fidelidades e infidelidades...
Josué
As
duas únicas páginas escolhidas pela liturgia (cap. 3 e cap. 24)
enquadram-se muito bem na visão religiosa da história deuteronomista:
Deus dá a Israel a terra prometida aos Pais, mas Israel só poderá
conquistá-la se caminhar com Deus (cap. 3) e só poderá conservá-la
pela fidelidade Aquele que a deu (cap. 24). Israel terá sempre que
converter-se e decidir-se por IHWH!
Juízes
É também muito fácil a leitura litúrgica deste livro. Sua tese é apresentada na leitura da Missa da segunda-feira da 20a
semana comum: quando Israel é infiel à Aliança, Deus o entrega a seus
inimigos; quando se arrepende e volta a Deus, pode gozar de novo
livremente da terra. Não se deve insistir nas figuras nada edificantes
dos Juízes: é um mundo bárbaro. Insista-se, pelo contrário, no
entrelaçamento da ação de Deus na ação do homem. Como um pai amoroso,
Deus educa pacientemente o seu povo. É sempre belo encontrar na
Escritura páginas tão humanas, às vezes, rústicas, grosseiras! Isto
mostra o quando Deus entra na vida do homem, esteja ele onde estiver e
em que cultura encontre-se! Assim também na nossa vida, por vezes tão
pobre e complexa: Deus quer manifestar-se nela! Feliz de quem sabe
descobrir na sua vida as pegadas de Deus!
Rute
A
pequenina obra (quatro capítulos ao todo) não pertence ao grupo
deuteronomístico. A Bíblia dos LXX, porém, e a liturgia colocam-na
depois dos Juízes porque a história passa-se neste tempo: "No tempo em
que os juízes governavam..." (Rt 1,1). Já a Bíblia hebraica, coloca
Rute após os Salmos e os Provérbios. O objetivo deste livro é
eminentemente apresentar os inícios da família de Davi. Há, porém, nele
um sopro poético e uma simplicidade que encanta. Aí aparece valores
humanos belíssimos, como a fidelidade, a amizade, a honestidade, a
solidariedade e a piedade. Há também uma lição: o autor desconhecido -
talvez do tempo de Esdras e Neemias - deseja mostrar que os pagãos
também tem sua bondade e são amados por Deus: uma estrangeira, a
moabita Rute, está na linha dos antepassados do Messias (cf. Mt 1,5).
Ler este livro é aprender a encantar-se com as pequenas coisas da
vida e, por elas, dar graças a Deus!
1 e 2 Samuel
São conhecidos nos LXX como 1 e 2Rs e constituindo, no início, um único livro (a LXX chama 2 e 3Rs de 3 e 4Reis!).
Bem
variado é seu material que o compõe: história, lenda, saga, profecia e
hinos, tudo harmonizado por um ou mais redatores não lá muito
hábeis. A gente percebe que a narrativa é meio costurada! Sente-se
pouco a mão do deuteronomista, talvez porque já tinha em si uma
teologia aceitável. Já conhecemos o tema central: a fidelidade à
Aliança. Nesta visão a obra não faz pura história, porém teologia.
Descendo aos pormenores, três são os protagonistas do período
histórico que vai dos Juízes à instalação da monarquia em Israel:
Samuel, juiz e profeta; Saul, o primeiro rei desventurado; Davi, que
encarna o ideal do Reino de Deus na terra. Na lectio
procure-se apreender o entrosamento da ação de Deus e da ação humana.
Ponto culminante de toda a obra é a profecia de Natã a Davi: Deus lhe
promete uma casa estável: dela nascerá o Messias (2Sm 7). Esta
profecia assinala o início de um movimento de forte tensão que trará
no futuro, através do Messias, descendente de Davi, a instalação do
Reino universal e espiritual.
É
belo ver como o Autor sagrado aproveita tudo: história, lendas,
poemas, sagas, profecias e hinos para, aí, mostrar a ação de Deus
procurando o seu povo e do povo respondendo a Deus!
1 e 2 Reis
Também
estes dois livros formam uma única obra. No cânon judaico eram de
fato reunidos antes em um só livro e só depois da versão dos LXX
vieram indicados como 1 e 2 Rs, ao passo que nos LXX aparecem como 3 e
4 Rs (enquanto 1 e 2 Samuel seriam o 1 e 2 Reis). Omitindo as fontes
bastante antigas reunidas nos dois livros, diremos que os críticos
sustentam que três autores da escola deuteronomística trabalharam
aqui. O primeiro no tempo da reforma religiosa do rei Josias (640-609
a.C.) , o segundo durante o exílio, o terceiro no pós-exílio. A este
último autor deve-se sobretudo o acento universalista da oração de
Salomão (1 Rs 8,41-51) e a mensagem daí decorrente: sempre se deixa ao
homem a possibilidade de recuperação. Tenha-se em vista, na leitura,
que o autor escreve uma história religiosa no espírito do
Deuteronômio. Tudo o que se opõe a este espírito é reprovado, ao passo
que é valorizado tudo o que está de acordo com ele. Particularmente
interessante nestes livros são as figuras de Salomão e Elias. Do
primeiro, o deuteronomista salienta a sabedoria, a construção do
templo, o seu tato comerciai e a sua fé, julgando tudo com referência a
Deus. Do segundo, faz ver como numa época de grande decadência
religiosa, quis ele uma só coisa: reconduzir os seus contemporâneos à
fé exclusiva em IHWH, o Deus de Abraão e de Moisés.
Devemos
ler estes livros recordando que a história de Israel é também a
nossa, com suas fidelidades e infidelidades. Deus vai, por entre
nossos altos e baixos, conduzindo a história de acordo com sua
vontade. Estes livros nos ensinam também o quanto nossas escolham são
importantes e trazem conseqüências para nossas vidas!
Com
o 2Rs termina a história do deuteronomista. Agora vamos ler um
profeta que viveu neste período para compreender os apelos de IHWH a Israel.
Marcos Vamos agora iniciar a leitura do Novo Testamento. Começaremos com o Evangelho de Marcos. Mas vejamos, antes, o que são os "evangelhos"!
Entre
os anos 65-90, quatro membros da comunidade cristã: Marcos, Lucas,
Mateus e João, sintetizam para suas Igrejas locais a mensagem que por
mais de trinta anos fora transmitida de viva voz ou já circulava em
pequenas unidades escritas, pequenas "apostilas" utilizadas na
catequese.
O
escopo do seu trabalho é informar e interpretar, à luz da Páscoa e
segundo a necessidade da Igreja, aquilo que Jesus fez e ensinou
desde o batismo de João até a Ascensão. Um deles, Lucas,
acrescentar-lhe-á depois as primeiras etapas da pregação cristã, em
sua corrida rumo aos confins da terra. Este segundo trabalho de Lucas
recebe o nome de Atos dos Apóstolos; o primeiro trabalho e o dos
outros, o nome de Evangelho. O sentido religioso deste termo é o de Boa Nova salvífica.
Por "Boa Nova" entendemos o elemento histórico, informativo do que
Jesus disse, fez e ensinou; por "salvífica", o prisma de compreensão
do "evento-Cristo". De fato, os quatro interpretam para suas Igrejas
de maneira a ficar evidente que Jesus é a salvação para todos.
O
acontecimento anunciado é único: Jesus Cristo! Por isto se diz que na
Igreja há um só Evangelho. O modo porém de interpretá-lo
diversifica-se e depende do caráter e da situação de cada autor. Por
isso dizemos evangelho segundo Marcos, segundo Lucas, etc.
O
Evangelho de Marcos foi escrito entre os anos 65-70, provavelmente em
Roma: a comunidade cristã estava sofrendo as dores da perseguição de
Nero. Onde estava Jesus, que parecia não ligar para os cristãos?
Parecia dormir enquanto o barco afundava! Marcos escreve para
consolá-los!
Atendo-nos
ao que nos transmitiu a tradição, o autor é João Marcos, chamado
ainda o intérprete de Pedro. Ele próprio indica o que pretende
anunciar-nos: simplesmente "o início do Evangelho de Jesus que é o
Cristo, o Filho de Deus". Diz "início" porque sabe que o anúncio do
Evangelho não se limitou à vida terrena de Jesus, porém continua na
Igreja. Sua pergunta é esta: como Jesus se revelou, quando por suas
obras e palavras, anunciou o Evangelho? Por outras palavras: quem é
Jesus de Nazaré? Marcos no-lo diz de chofre desde o início: é o
Cristo, o Filho de Deus (1,1). Desenvolvendo depois o seu tema, faz-nos
reviver a lenta maturação dos primeiros discípulos na fé e cada um de
nós se sente aí implicado. A cada leitor põe-se a mesma pergunta: Quem
é Jesus? A leitura nos engaja numa procura. Após um prólogo (1,1-13),
o leitor é posto em contato com o homem Jesus. É verdade que
continuamente se tem a percepção de que a humanidade não exaure o
mistério-Jesus.
De
qualquer forma, quando se chega a afirmar com Pedro: "Tu és o Cristo"
(8,29), tem-se a impressão de que se disse tudo. O homem com sua
inteligência não pode deveras ir avante. Nessa hora entra a revelação:
Jesus começa a revelar que o Messias deve sofrer (8,31-32); o Pai
revela que Jesus é seu Filho (9,7) e a esta luz é que nos sentimos
obrigados a ler o resto do evangelho segundo Marcos. Para quem o lê
crendo que ele é Messias porque caminha para a morte e é Filho de Deus
porque "expira daquele modo" (15,39), o Evangelho é fonte de vida e
estímulo para o anúncio. Quem porém não tem a fé, calar-se-á (16,8).
Deve-se
ler o evangelho de Marcos observando sobretudo a pessoa de Jesus. O
Jesus de Marcos fala pouco: toda a sua pessoa, seus gestos, suas
atitudes, tudo isto é Evangelho. É importante observar que Marcos
gosta de pequenos detalhes, que sempre nos dão belas lições!
Jeremias
Vamos começar a ler os livros proféticos.
Os
profetas bíblicos são homens de Deus e seus porta-vozes. Em sua
pregação e ação, eles procuram recordar com veemência os
acontecimentos salvíficos do passado (isto é, o êxodo a culminar na
Aliança e no dom da terra) para chamar o povo à fidelidade à Aliança
com IHWH. Assim, em nome de IHWH
e de sua Alianças eles contestam, o povo, na sua incoerência entre fé e
vida e denunciam a inerte aceitação de um passado que não impele para
a construção de um futuro melhor. Os profetas são homens apaixonantes
e apaixonados, dos mais variados temperamentos e tipos de vida. Mas
todos são apaixonados por seu Deus e pelo povo vivendo numa profunda
inserção no seu ambiente histórico. Vivem profundamente as situações
de seu povo para verificar-Ihe o significado e denunciar-lhe os
desvios. São por isso pessoas que meditam o passado na situação do
hoje, para descobrir nesse confronto os desígnios de Deus para o
futuro (daí os anúncios de esperança e da glória final de Israel).
Nestas poucas palavras temos já o essencial para avaliar o testemunho
escrito de alguns deles.
A
liturgia faz percorrer o livro de Jeremias um pouco durante a
Quaresma e sobretudo nas semanas XVI-XVIII dos anos pares. Sua
presença no Lecionário da Quaresma vale por dois motivos: primeiro, o
livro é um apelo à conversão e, em segundo lugar, a pessoa de Jeremias
é, por seus sofrimentos, prenúncio da paixão de Cristo.
Jeremias é dramático: trata-se de um homem sensível, romântico, que IHWH
escolhe para profetizar. Sua vida é um sofrimento só, pois deve
anunciar a calamidade. Mais de uma vez o profeta entra em crise e
abandona a sua missão... e Deus o faz voltar! É um livro apaixonante!
Jeremias
profetiza num dos períodos mais trágicos da história de Israel. O ano
597 a.C. é o ano da primeira deportação, e 587 a.C. é o ano da total
destruição e deportação para Babilônia. A tragédia foi prenunciada por
ele, vista e julgada num confronto contínuo com os compromissos da
Aliança (tema central) . De tal confronto resulta que a deportação é
um castigo merecido porém o Deus que o inflige não é só um Deus justo e
senhor da história, mas um pai misericordioso, um esposo cheio de
ternura e de amor. A lembrança de Deus torna-se então exortação para
voltar a ele e prelúdio de uma esperança que tem por objeto uma nova
Aliança.
Literariamente
o livro dá a impressão de uma obra desordenada. Prova-o a versão
grega que não tem a mesma ordem da hebraica, e ainda o fato de ser
impossível uma leitura biográfica e cronológica. Por exemplo, o cap.27
refere-se ao ano 597, o cap.3 a 587, ao passo que os caps .36-45 a
605 a.C.
O próximo livro a ser lido são as Lamentações de Jeremias.
Lamentações
Houve
quem quisesse atribuir a Jeremias esses cânticos de luto e discreta
esperança, mas talvez seja preferível dizer que foram compostos pelos
judeus que permaneceram no país após a destruição de Jerusalém (587
a.C.). No entanto, por tradição, podemos continuar chamando-as
"Lamentações de Jeremias profeta". Para a lectio deve-se lê-la
um capítulo inteiro de cada vez, com calma, e tendo sempre em mente a
situação de Israel exilado, humilhado e contrito, cheio de esperança
em IHWH . Israel somos nós, é a Igreja, é a humanidade!
Epístola aos Gálatas
Composta
possivelmente de 49 a 57. Se tivéssemos que defini-la em duas
palavras diríamos que este escrito de combate é o manifesto da
liberdade do cristão e do universalismo da Igreja. O problema prático e
de fundo com que teve Paulo de se defrontar e que penetra a carta
inteira é este: para ser cristão é necessário adotar as tradições
judaicas e veterotestamentárias? A resposta é um decisivo "não"! É em
Cristo, na força da sua cruz e ressurreição que o homem encontra a
salvação. Crer em Jesus e a ele unir-se, vivendo na força do seu
Espírito: eis o caminho para o Pai!
Amós
É um profeta do período anterior ao Exílio de Babilônia. Voltamos, portanto, aos tempos da história deuteronomística!
Amós
profetizou no reino de Israel (Reino do Norte, após a divisão do
povo em dois reinos, por ocasião da morte de Salomão) na época do rei
Jeroboão II (786-745 a.C.). Tempo de grande euforia econômica, de uma
falsa segurança do povo em suas próprias possibilidades, mas
perturbado por gravíssimo mal-estar social. O conceito fundamental do
seu ensinamento é que Deus é "justiça". Amós é o
profeta que defende o pobre contra o rico e vê na afronta do rico uma
incoerência entre fé e vida e um aviltamento da Aliança com Deus.
Note-se, porém, como a ressonância de suas ameaças se conclui em um
ato de esperança!
Mateus
Para
Mateus Jesus é o esperado de Israel, a saber, o Messias, o Novo
Moisés e é
o Senhor presente na comunidade eclesial, mestre do reino
dos céus. Para ler ateus devemos sentir-nos Igreja! Ele não nos dá o
primeiro anúncio de Jesus, porém faz catequese, aprofundando a fé que
os fiéis já possuem! Assim, Mateus quer de fato que os fiéis, que já
sabem quem é Jesus, aprofundem-lhe o mistério e sintam como Jesus
quer a sua Igreja, na qual ele permanece vivo e atuante.
Depois
de um prólogo assaz extenso (caps. 1-4), que já habitua a ver Jesus
como aquele que cumpre uma história de salvação e inicia a definitiva
salvação, a comunidade cristã é apresentada a ouvir Jesus. Qual novo e
definitivo Moisés, ele promulga a lei do novo povo de Deus (caps.
5-7: sermão da montanha). Jesus apresenta-se no mundo como o mestre
que toma sobre si as iniqüidades e os males do mundo para levar a
humanidade à liberdade (caps. 8-9). Este novo povo é fundado sobre os
Doze, a quem sobretudo compete o anúncio e o testemunho (cap.10:
sermão missionário). Esta estrutura hierárquica é, porém, só o aspecto
externo e visível da Igreja; o aspecto mistérico (e seu destino) é
oferecido no sermão das parábolas do Reino (cap.13). Este é o centro
do Evangelho de Mateus! Este povo é dito novo porque nasce de uma
ruptura com o antigo (caps.11-12. 14-15) e porque tem um novo
fundamento: Pedro (16,13-19).
Mas
como deve viver a Igreja de Cristo? A pergunta indica a possível
chave da compreensão de Mateus 16,21-20 34. Os anúncios da Paixão, o
sermão sobre a Igreja (cap. 18) e outros ensinamentos de Cristo traçam
as normas de conduta. Os caps. 21-23 falam do ministério de Jesus em
Jerusalém e para os imediatos leitores de Mateus, provindos do
judaísmo, mostram como é preciso distanciar-se da religião hebraica. O
templo com seus sacrifícios é rejeitado porque o novo povo tem o seu
templo, seu sacerdote, seu sacrifício: o Cristo (cap. 26-27: é o que
ensina o relato da Paixão). Este povo que está ao redor de Cristo
tende para a total realização da salvação (caps. 25-26: discurso
escatológico). E deve continuar seu caminho anunciando o Evangelho (cap.
28) . Por todos estes motivos o evangelho segundo Mateus é por
excelência o Evangelho da Igreja.
É
interessante notar a estrutura de Mateus. Para ele é tão claro que
Cristo é o novo Moisés, que divide seu ministério em cinco partes com
cinco sermões (como os cinco livros de Moisés): em cada parte Jesus
age e fala:
Caps. 1-2: Introdução (Infância de Jesus)
Primeira parte: Jesus age (caps 3-4); Jesus fala (caps. 5-7: Sermão da Montanha)
Segunda parte: Jesus age (caps. 8-9); Jesus fala (cap. 10: Sermão sobre a Missão)
Terceira parte: Jesus age (caps. 11-12); Jesus fala (13,1-52: Sermão das parábolas do Reino)
Quarta parte: Jesus age (caps. 13,53 - 17,27); Jesus fala (cap. 18: Sermão sobre a Igreja)
Quinta parte: Jesus age (caps. 19-23); Jesus fala (caps. 24-25: Sermão escatológico).
Caps. 24-28: Conclusão (A páscoa do Senhor, que dá início ao Novo Povo, que é a Igreja).
Oséias
Quase
contemporâneo de Amós. Profetizou também no reino do Norte por volta
de 750-730 aC num período agitado por força da ameaça assíria e da
discórdia entre os políticos. Ponto central de seu pensamento é que Deus é "amor".
Por isso a história de Israel é interpretada como um casamento de
Deus com Israel, casamento rompido por Israel não por Deus, que se
esforça por reconduzir a esposa infiel à fidelidade. Deus aparece
como
um esposo apaixonado que, mesmo traído pelo adultério da esposa,
permanece fiel e atrai sua esposa para si, até seduzi-la e
convertê-la! As páginas de Oséias são de um lirismo e de uma paixão de
grande beleza.
Sabedoria
Entramos
agora nos livros sapienciais (livros que nos transmitem uma sabedoria
de vida nas pequenas coisas de cada dia). São eles: Jó, Salmos,
Provérbios, Eclesiastes (Cóelet), Cântico dos Cânticos, Sabedoria e
Eclesiástico (Sirácida). Estes livros da Bíblia são uma reflexão sobre
a experiência da vida humana à luz de Deus, com vistas a tirar
conselhos práticos para a vida. A reflexão dos sábios de Israel
introduz fortes problemas: vida, morte, dor, conduta, felicidade. A
redação deles, exceto uma parte do livro dos Provérbios, e de após o
Exílio. Alguns destes livros são atribuídos a Salomão porque este era
famoso por sua sabedoria. Mas, na verdade, muito pouca coisa aqui é de
Salomão... somente alguns provérbios...
Estes
livros da Bíblia são uma reflexão sobre a experiência da vida humana à
luz de Deus, com vistas a tirar conselhos práticos para a vida. A
reflexão dos sábios de Israel introduz fortes problemas: vida, morte,
dor, conduta, felicidade. A redação deles, exceto uma parte do livro
dos Provérbios, e de após o Exílio. Alguns destes livros são
atribuídos a Salomão porque este era famoso por sua sabedoria. Mas, na
verdade, muito pouca coisa aqui é de Salomão... somente alguns
provérbios...
O
livro da Sabedoria apresenta-se com um desenvolvimento coerente em
três etapas: a morte ameaça o homem, mas é vencida por aqueles que
permanecem fiéis ao verdadeiro Deus (caps.1-5); a sabedoria, dom de
Deus, ajuda a orientar a própria vida como Deus quer (caps.6-9); esta
sabedoria está presente na vida de todos os homens (universalismo),
mas em particular na história de Israel (caps. 10-19).
É
importante compreender que "sabedoria" não quer dizer inteligência,
cultura ou erudição: o sábio é aquele que vê como Deus ver, sente como
Deus sente, julga como Deus julga. A raiz da sabedoria é ter um
coração aberto para Deus nas pequenas coisas da vida. A Sabedoria é o
último livro escrito do Antigo Testamento: estamos entre 100 e 50 aC.!
1 Epístola aos Tessalonicenses
Tessalônica
era a capital da província romana da Macedônia. Paulo visitou a
cidade e pregou na sua sinagoga por três sábados consecutivos.
Converteu algumas pessoas, mas teve que fugir para Beréia depois de
dois ou três meses, devido às perseguições da comunidade judaica da
cidade. Manda, então, Timóteo a Tessalônica para saber como estavam os
cristãos que ele tinha deixado ainda no começo da evangelização. As
notícias eram maravilhosas: a comunidade crescia e perseverava! Paulo,
então escreve-lhes cheio de sentimentos de ação de graças! É a
primeira carta de São Paulo e o primeiro livro do Novo Testamento a
ser escrito!
Nesta
carta, Paulo anima a comunidade e dá ensinamento sobre a
ressurreição: os que morreram já estão com Cristo e todos nós nos
reuniremos a eles no Dia da Ressurreição!
Tobias
Vamos,
agora rezar com o livro de Tobias, que pertence a um tipo diferente
de literatura: trata-se de uma "reflexão midráxica da história" O
midraxe é uma forma alegórica, figurada de falar sobre os
acontecimentos, buscando desvendar o sentido mais profundo dos
acontecimentos.
Sob
este título genérico colocamos os livros de Tobias, Ester e Judite.
Estes livros simulam um relato do passado em forma de "romances" para
interpretar a atualidade. Surgiram num momento em que Israel se sentia
ameaçado na própria fé pela hostilidade de um mundo pagão. Nessa
época (séculos IV-II aC), era incrível o fascínio do paganismo
helenista sobre muitos judeus. Havia, então, a grande tentação de
sentir vergonha da religião judaica e de seus costumes: parecia coisa
antiquada, fora de moda! Israel deve tomar sempre maior consciência de
que a unidade do povo não será efetuada só pela terra, mas pela única
fé e única esperança em IHWH.
Esses romances saborosos são estórias edificantes, piedosas, para
comoverem e encherem o coração dos judeus de amor pelo seu Deus e sua
Lei.
O
livro mais lido na liturgia da Missa é o de Tobias, verdadeira
obra-prima da arte bíblica do século III a.C. Como já explicamos,
trata-se de uma estorinha escrita, criada para edificar. Portanto, os
personagens são fictícios! Tanto que, em geral, os autores destas
obras cometem erros gritantes de história e geografia... exatamente
para deixar claro que se trata de uma ficção! No livro de Tobias
aparecem os traços essenciais da piedade judaica: fidelidade à lei, amor
entre pais e filhos, esmola respeito aos mortos, estima do
matrimônio. É um livro encantador; melhor que qualquer telenovela
atual!
Naum
Entre
os anos 663-612 a.C. ele proclama a queda de Nínive, exatamente no
momento de seu maior poder. Para ele Nínive não é tanto a prestigiosa
capital da Assíria quanto o símbolo da arrogância e do orgulho
político. Os profetas teimam sempre em recordar ao povo de Israel que
somente IHWH é grande. Ninguém mais nem nenhuma potência militar e política são Deus!
Lucas
O
evangelho segundo Lucas é uma obra completa em si mesma; forma porém
um todo com o livro dos Atos dos Apóstolos. Os dois escritos vêm com o
nome de obra lucana. A unidade da obra aparece pela geografia e pela
temática. Esta tem um centro geográfico: Jerusalém. No evangelho esta
cidade é um ponto de chegada, enquanto tudo tende para ela como para o
lugar onde tudo se cumpre (cf. 9,51); nos Atos, ao contrário, é um
ponto de partida, pois que o anúncio se lança de Jerusalém para os
caminhos do mundo. O anúncio é único em toda a obra: a alegre mensagem
salvífica que se realiza em Jesus. Os anunciadores são Jesus em
pessoa, com seus gestos e palavras (Evangelho) e os apóstolos, em
particular Pedro e Paulo (Atos) . Os destinatários do anúncio são todos
os homens.
"Todo
homem verá a salvação de Deus" (3,6), é dito ao iniciar-se o
Evangelho, e no final dos Atos se verifica que "aos pagãos" foi
mandada esta salvação de Deus (28,28) . No fim do Evangelho se afirma
que os discípulos serão testemunhas da salvação "a começar de
Jerusalém" (24,47-48) e no início dos Atos são enumeradas as etapas
dos seus testemunhos: Jerusalém Judéia, Samaria, últimos confins da
terra (1,8). Na verdade, a todos os homens é pregada a conversão e o
perdão dos pecados (Lc 3,3; 24,47; At 2,38; 26,18).
Quem
lê a obra de Lucas deve sentir que a história começada com Cristo e
continuada com os Apóstolos é história pessoal. Para conseguir isto, é
necessário observar o modo concreto como Lucas apresenta Jesus e a
vida da Igreja das origens. O ensinamento de Jesus é sempre
acompanhado de seu exemplo e vivido pela Igreja: Jesus prega, ensina a
pregar, a Igreja prega; o tema da pregação é uma característica de
Lucas. Jesus manda perdoar os inimigos, depois morre perdoando e,
também Estêvão, o primeiro mártir, morre assim. Jesus é acusado de ir
contra as leis do Estado; Paulo é igualmente acusado disso. Os
exemplos não teriam fim! O caminho do Mestre deve ser o mesmo dos
discípulos! Pois bem: se lemos Marcos para saber quem é Jesus, leiamos
Lucas para saber como imitar a Jesus!
Terminada
a leitura do evangelho, vamos voltar um pouco ao Antigo Testamento e,
depois, voltaremos para os Atos dos Apóstolos.
Judite
Voltamos
para aquelas estórias edificantes! A estória aqui é a da bela viúva
Judite (seu nome significa "a judia") que enfrenta o general pagão
Holofernes, para defender o seu povo. Tudo isto motivada pela fé em
Deus. Deus usa o que é fraco para abater o que é forte. O livro foi
escrito em fins do século II ou no início do século I aC,
provavelmente para encorajar os judeus que moravam no Egito e se viam às
voltas com a perseguição na época de Ptolomeu VII, pouco depois do
ano 145 aC. Judite representa o seu povo, que é convidado pelo seu
exemplo a uma confiança ilimitada em Deus. Na fé da Igreja, Judite é
um imagem tipológica da Virgem Maria!
Isaías (Is 1-39)
Sua
vocação profética (Is 6) dá-se no templo, no ano 742 aC. Sua missão
desenrola-se no tempo da guerra siro-efraimita (734-733 a.C.) e da
queda do reino de Israel (Reino do Norte) em 722 a.C., sob os reis de
Judá Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (715-686 a.C.). São por isso
compreensíveis os temas políticos de sua mensagem, reunidos para nós
nos caps. 1-23.28-33.36-39 da obra que vem com o nome de Isaías.
Nem
todo o livro de Isaías pertence ao profeta Isaías! Seus são os caps
1-39. O resto da obra é devido à "escola isaiana" que dura vários
séculos. Os caps. 40-55 seriam de um outro profeta, da mesma
mentalidade de Isaías, que viveu na época do Exílio de Babilônia. Este
profeta é chamado pelos estudiosos de "Segundo Isaías". Sua missão é
consolar o povo, prometendo-lhe que Deus vai fazê-lo voltar para a
Terra de Israel. Os restantes caps. 56-66 não são de uma pessoa
somente, mas de vários autores da escola isaiana e são compostos por
fragmentos de várias épocas e situações. Tema fundamental de toda a obra
isaiana: "Deus é santidade", a que corresponde no
homem a fé. Os dois fatores, positivo e negativo, da história da
salvação são a fé-confiança e a incredulidade; o primeiro, concebido
como força vitoriosa de felicidade e de vida; o segundo, como
princípio de destruição e ruína. Dado o predomínio da incredulidade,
abre-se o caminho em Isaías para um novo conceito, o de "resto de
Israel", continuador da história da salvação e sinal da fidelidade de
Deus às promessas. Deste conceito ao tema da esperança e da expectativa
messiânica, tão acentuada no "livro do Emanuel" (caps. 7-12) foi curto
o passo. Aí estão motivos mais que suficientes para entender o uso
abundante de Is 1-30 no período do Advento. Vamos ler dos capítulos 40
em diante mais para frente. Agora somente a obra de Isaías mesmo,
antes do Exílio!
Atos dos Apóstolos
Já falamos sobre os Atos ao apresentar o Evangelho de Lucas. Agora, é só ler!
Miquéias
Contemporâneo
de Isaías, sabe unir a doçura e a força para denunciar o pecado do
povo de Deus. Solda o passado e o presente com o futuro e anuncia o "Deus-juiz", mas também a paz que o Messias trará, ele que é o Dominador que sairá de Belém.
Provérbios
Voltamos
aos livros sapienciais. Os Provérbios apresentam o mais antigo
extrato da reflexão sapiencial. A tese é esta: Deus recompensa o justo
e castiga o ímpio nesta terra. Recordemo-nos que na época em que esta
obra foi escrita, Israel ainda não esperava na vida após a morte:
todos os mortos iam para o sheol e basta! Então, qual a
diferença entre bons e maus, justos e pecadores? Aos justos, vida
longa, riqueza e muitos filhos; aos maus, morte violenta, após uma
vida breve, pobreza e uma descendência minguada. Assim ensinavam os
sábios! Como veremos adiante, esta explicação não colou. Basta pensar no
caso de Jó... É bonito pensar que, na Escritura, a Revelação de Deus
vai evoluindo de livro para livro... também na Bíblia, o homem vai
tateando em busca de Deus!
2 Epístola aos Tessalonicenses
Paulo
escreveu novamente aos tessalonicenses pouco depois de escrever a
primeira carta. Motivo: idéias errôneas na comunidade sobre a Vinda do
Senhor. Alguns tessalonicenses pensava na Vinda do Senhor para já e
não trabalhavam mais. Paulo exorta seus leitores a que trabalhem em
paz, vivam na perseverança e na oração, levando vida calma e
tranqüila.
Sofonias
Sua
voz ressoa nos anos 640-630 a.C. - um pouco antes do povo ser levado
para o Exílio de Babilônia. Ele é o homem que tem o senso do pecado
como ruptura de uma relação pessoal com Deus. Suas palavras violentas e
suas ameaças procuram orientar a religiosidade do povo para uma
religião "em espírito e verdade". Sofonias não se preocupa com números
ou multidões: IHWH reservará para si um resto pobre e humilde que colocará em Deus sua esperança!
Cântico dos Cânticos
Trata-se
de um livro que reúne vários poemas de amor, poemas usados
provavelmente nas festas de casamento. Cantam de modo inigualável o
amor humano, com toda a sua força, beleza e conflituosidade! A Palavra
de Deus assume tudo quanto é verdadeiramente humano.
Este amor humano simboliza também o amor entre IHWH
e o seu povo de Israel: Deus é o esposo da Virgem filha de Sião!
Assim, a leitura deste livro pode ser profético-escatológica: trata-se
do amor entre Deus e Israel, que se desenvolve como uma história que
transcorre na expectativa da união idílica final.
Os
místicos cristãos sempre amaram e comentaram este livro, no qual vêem
a imagem da união entre Cristo esposo e a alma esposa! Os rabinos
judeus costumavam dizer que o mundo não é digno do dia em que IHWH deu este livrinho a Israel! É um livro encantador pela suave força e vigorosa ternura!
1 Epístola aos Coríntios
Corinto
era a capital da província da Acaia; cidade comercial, desenvolvida,
movimentada e devassa! Sua população era extremamente variada e
conhecida como protótipo de imoralidade sexual. Paulo visitou a cidade
pela primeira vez na sua segunda viagem missionária: aí fundou a
Igreja de Corinto e permaneceu com os coríntios dezoito meses. A
comunidade cristã coríntia era composta sobretudo por gentios e
pobres.
Paulo
escreve esta carta aos coríntios por volta do ano 56. Eles
enfrentavam o problema da divisão no seio da comunidade e procuravam
sua verdadeira fisionomia, seu espaço como cristãos no mundo. A
primeira carta é centrada no tema da unidade da Igreja. Para responder
a este problema, fala-se da sabedoria mundana e da sabedoria cristã,
do banquete eucarístico e dos festins dos ídolos, dos carismas (entre
os quais figura o matrimônio e a virgindade) e da caridade, para
terminar com uma longa exposição sobre a ressurreição de Jesus, que
implica a nossa ressurreição. Sobre este tema temos uma das exposições
mais belas e completas do Novo Testamento. O Apóstolo censura os
partidos existentes na comunidade, os abusos no tocante à imoralidade,
dá normas quanto ao matrimônio e celibato e orienta sobre a boa ordem
nas Assembléias eucarísticas. Ler esta epístola nos ajuda a
compreender o quanto, apesar dos conflitos e dificuldades, os cristãos
são chamados a uma vida nova...
Habacuc
Profetiza
pelo ano 600 aC. Podemos defini-lo como o profeta da angústia e do
encontro com Deus. Ele formula uma pergunta a Deus: por que a desgraça
oprime o povo? O castigo é justo, mas por que devem ser os ímpios
babilônios a castigar? Deus não dá explicações. Simplesmente pede que o
profeta confie : "O justo viverá por sua fé".
2 Epístola aos Coríntios
Escrita
no ano 57, escrita da Macedônia, Paulo, depois de uma visita amarga à
comunidade de Corinto, na qual alguns contestavam sua autoridade,
agora escreve-a consolando: é uma carta plena de consolação. Mas
contém também elementos de uma apologia: Paulo é forçado a
justificar-se perante os falsos apóstolos que agem na comunidade de
Corinto. Toma daí ocasião para esboçar sua doutrina sobre o ministério
apostólico e reforçar sua percepção do mistério de Cristo.
Ezequiel
Depois
de termos lido os profetas anteriores ao Exílio de Babilônia,
vejamos, agora, aqueles que, no Exílio, consolaram o povo em nome de IHWH.
O
profeta exerce sua missão entre 593 e 570 aC, segundo alguns primeiro
em Jerusalém, depois em Babilônia; segundo outros somente em
Jerusalém ou somente em Babilônia. O livro divide-se em duas partes: a
primeira (caps. 1-32) compõe-se de ameaças contra Judá e contra as
nações; a segunda (caps. 33-40) é todo um convite à esperança. A
primeira parte anuncia aos exilados, que ainda esperam uma desforra, a
total destruição de Jerusalém; a segunda parte proclama uma nova
esperança aos exilados, que não mais esperam em Deus. O anúncio do
profeta é possível porque ele lê os acontecimentos à luz de Deus,
Senhor da história, Deus da Aliança, único que pode levar à salvação
porque é Deus de amor. Movido por esta fé, pode Ezequiel anunciar a
reconstituição das promessas feitas a Davi (messianismo). Ele descobre
um sentido nos trágicos acontecimentos de um mundo caótico.
Outro tema importante em Ezequiel é a responsabilidade individual no pecado (caps. 18-20). Epístola aos Filipenses
Escrita
de Éfeso, provavelmente em 56-57, lá onde Paulo se encontra preso
(embora seja difícil demonstrar que Paulo haja sido encarcerado em
Éfeso). Filipos é a comunidade amada por Paulo. A carta ao filipenses é
chamada "a carta do coração". Não existem graves problemas na
comunidade. Mesmo assim é manifesta a preocupação fundamental de Paulo
acerca da unidade dos cristãos nas relações internas da comunidade.
Querer a unidade significa olhar para Cristo, recusar as pretensões
pessoais e empreender, sem titubear o árduo caminho cristão, mesmo a
corrida cristã, no propósito de uma vida unida a Cristo.
Segundo Isaías (Is 40-55)
Já
falamos um pouco sobre este profeta da escola isaiana, que viveu no
fim do Exílio de Babilônia (537 aC.). Ele é considerado autor dos
caps.40-55 do livro de Isaías.
Esta
parte do livro tem, porém, o nome de "Livro da Consolação", pois este
é o seu tema principal, pois mesmo os quatro cânticos do Servo de IHWH
mostram no sofrimento o caminho para o verdadeiro triunfo e alegria. A
estrutura destes capítulos é simples e unitária. Os caps 40 e 55, que
se encontram na extremidade da coletânea de profecias, falam da
transcendência de Deus, os caps. 41-48 interessam-se sobretudo pela
Babilônia, por Ciro, pelos ídolos (deuses inexistentes) e por Deus
criador e salvador, enquanto os caps. 49-54 falam do Servo de IHWH
e da nova Jerusalém, amada por Deus. É clara nestes textos a idéia da
transcendência e soberania de Deus. Os quatro cânticos do Servo
Sofredor foram importantíssimos para os cristãos compreenderem a
missão de Cristo e o sentido de seu sofrimento. É um livro de grande
beleza e força teológica e sentimental!
Coélet (Eclesiastes)
Também
este livro, conhecido por muitos com o nome de Eclesiastes, faz parte
da literatura sapiencial. O Autor - Coélet - sublinha o absurdo da
esperança terrena: a experiência, mesmo nos melhores tempos da
história do homem, é contrária a ele: não há nada de novo; tudo é
vaidade! É um livro bastante pessimista, este: tudo é vaidade, ou
seja, tudo é pó! Somente em Cristo o enigma da vida humana será
plenamente iluminado!
Epístola aos Romanos
É
a mais importante das cartas de Paulo, escrita pelo ano 58 não para
responder a problemas da comunidade cristã de Roma, que ele não
conhecia, mas para dizer a essa comunidade qual era o conteúdo de sua
mensagem (caps.1-11) e como ele concebia a vida cristã (caps. 12-16) .
Em poucas palavras, apresenta ele aos Romanos o projeto salvífico do
Pai que se faz proposta para um mundo totalmente sujeito ao pecado
(caps. 1-4); fala da liberdade cristã como libertação do pecado, da
morte, da incapacidade de trabalhar pessoalmente pela salvação (cap.
5-7) e como tensão para a plena realização de si mesmos (cap.8).
Procura infundir nos cristãos a certeza de encontrar a liberdade
total, tentando fazer ver como Deus age na história humana para a
salvação de todos (caps. 9-11) e procurando convidar a comunidade
cristã a ser no mundo agente desta salvação. Os atuais temas sobre a
libertação e o engajamento cristão no mundo encontram uma resposta
nesta carta.
Terceiro Isaías (Is 56-66)
Vamos,
agora, começar a leitura dos profetas posteriores ao Exílio da
Babilônia. Foram eles quem animaram o povo no difícil período de
reconstrução do país.
"Terceiro
Isaías" é uma cômoda designação para a autoria dos caps. 56-66 de
Isaías. De redação posterior ao Exílio, não são provavelmente obra de
um só autor. Os destinatários imediatos são os repatriados que, depois
do primeiro entusiasmo, sentem o peso da reconstrução. O objeto da
esperança para eles é o fato de que a cidade de IHWH com o seu templo será o centro da salvação universal.
Jó
Mais
um livro sapiencial. Apaixonante! É um romance feito em versos - como
a literatura de cordel das feiras do Nordeste - para tentar resolver
uma questão espinhosa: por que o justo sofre? A explicação dos sábios
de Israel, segundo a qual o sofrimento é castigo pelo pecado, não
resolvia. O autor tenta responder a questão! Consegue? Mais ou menos!
Deus não dá explicações; o homem deve somente confiar no seu amor. O
sofrimento humano somente será iluminado pela cruz do Inocente Jesus!
Este
livrinho contesta a tese do livro dos Provérbios (veja-se lá em
cima!). É belo ver como a Palavra de Deus vai evoluindo no seu diálogo
com o homem! Deus é o Deus dos vivos! E a Escritura não é uma receita
de bolo, prontinha!
Bilhete a Filêmon
Trata-se
de um bilhete escrito por Paulo. Data provável: 58-60 ou 61-63;
escrito da prisão de Cesaréia ou da de Roma. Representa um marco no
movimento espiritual em prol da libertação dos escravos: "O escravo
tornado irmão". É um belo exemplo de como a fé cristã pode e deve
transformar e dar sentido às relações humanas.
Eclesiástico
A
reflexão do Sirácida (Jesus, filho de Sirac), cuja obra é conhecida
sob o título de Eclesiástico, esclarece o problema do mal e da
retribuição levantado pelos três autores precedentes (Provérbios, Jó e
Eclesiastes), mas lhe projeta a solução ao futuro messiânico: a
história da salvação é caracterizada por tão forte tensão em busca de
uma finalidade (nós cristãos sabemos que tal finalidade se encontra em
Cristo) que supera de algum modo a morte. Exemplos disso são Henoc,
Elias... Mas a perspectiva do autor mostra-se ainda muito obscura.
Somente em Cristo o peso da existência e o mistério da vida encontrarão
uma resposta!
Epístola aos Colossenses
Apesar
de não conhecer pessoalmente os cristãos de Colossas, Paulo
apresenta-lhes o mistério de Cristo de modo profundíssimo: o Senhor
ressuscitado é o princípio de todo o universo e o Cabeça da Igreja,
que é seu corpo! Tudo é sujeito a Cristo: foi criado através dele e
vai para ele. Os cristãos, unidos a Cristo pelo Batismo, participam
desse senhorio do Ressuscitado e devem, já de agora, viver uma vida
nova.
A
carta deseja combater alguns erros presentes nos cristãos de Colossas
- e hoje em muitos cristãos, pela Nova Era: culto dos anjos, como se
eles fossem salvadores, sincretismo, que misturava a salvação do
Cristo a especulações sobre elementos da natureza, etc. Em resumo:
contra os gnosticismos de ontem e de hoje (a Nova Era é o
ressurgimento do gnosticismo!), a Carta apresenta o Cristo ressuscitado,
sentido do cosmo, da história e da nossa vida!
Jonas
Eis
um livrinho gostoso de ser lido, quando se compreende o seu estilo.
Não se trata de um livro profético: trata-se de uma estória para abrir
a mentalidade dos judeus que voltaram do Exílio cismados com os
pagãos. O autor imagina um judeu mesquinho - Jonas - que teima contra
Deus para ver a destruição da cidade de Nínive, que é pagã. É
interessante a ironia do autor: os pagãos, no livro, são cheios de boa
vontade, enquanto Jonas...
Epístola aos Efésios
É
muito parecida à Epístola aos Colossenses. Tema principal é o
mistério que se revela em Cristo e significa o projeto de Deus para
salvar o mundo. Três conceitos dominantes: 1) Cristo: nele, Filho de Deus, tudo foi criado e tudo deve unificar-se; 2) Igreja: comunidade cristã universal, corpo de Cristo ressuscitado, lugar donde Cristo-cabeça derrama a salvação para o mundo; 3) cristão:
aquele que tem conhecimento do mistério de Cristo e vive-o no amor
operoso. Estes três conceitos permitem ler em sua justa luz estas
carta de Paulo.
Importante, no capítulo 5, é a afirmação que, no matrimônio, a relação
entre marido e mulher é sacramento do amor entre Cristo e a Igreja. Ageu
Suas
profecias datam de agosto a dezembro de 520 aC. O profeta procura
incentivar aqueles que voltaram do Exílio para que reconstruam o
templo: estavam desanimados pelas dificuldades.
1 Timóteo
Começamos agora a ler as Cartas Pastorais.
As
duas cartas a Timóteo e a carta a Tito são assim chamadas porque dão
diretrizes aos pastores das Igrejas (ou seja, das comunidades cristãs
que hoje chamamos de dioceses). Os que as aceitam como cartas de Paulo
dão como data de composição os anos 65-67; para outros, que pensam
que elas foram escritas por discípulos de Paulo, a data estaria nos
anos 70-80. Sua importância é imensa quando se trata de refletir
teológica e espiritualmente sobre o ministério na Igreja. Procurando
sua caracterização, diremos que na 1Tm Paulo dá ao bispo de Éfeso
diretrizes para guiar a Igreja na diversidade de seus grupos. Particular
insistência é dada ao rito da imposição das mãos, ao anúncio da
verdade e à organização do culto.
Malaquias
Não
sabemos o nome do profeta autor deste livro. O nome "Malaquias" que
aparece em Ml 3,1 significa simplesmente "meu mensageiro". Certamente o
profeta viveu nos inícios do segundo templo - portanto, após Ageu. O
profeta grita contra o descaso pelo culto, os casamentos de judeus com
pagãos, que poderia levar os israelitas à idolatria. Importante é o
anúncio de uma oblação pura (que se realizará no sacrifício de Cristo
na Eucaristia). É este profeta quem anuncia a vinda de Elias, João
Batista.
2 Timóteo
Voltamos
agora às Pastorais. 2Tm pode-se considerar como o testamento de
Paulo. Ele combateu nos sofrimentos o bom combate e concluiu sua
carreira. Timóteo é convidado a fazer o mesmo.
Joel
Provavelmente
o livro de Joel é do século IV aC. É um livro já muito marcado pelo
estilo apocalíptico: figuras exóticas e vivas, complexas e ricas em
detalhes, para descrever o futuro prometido por Deus.
Importante
em Joel é a promessa de uma plena efusão do Espírito os tempos do
Messias. Esta promessa encontra-se um pouco por todo o Antigo
Testamento, mas em Joel adquire um força e beleza sem igual.
Epístola a Tito
A
última das pastorais é a carta a Tito, bispo de Creta, é um incentivo
a uma vida reta. Nas três cartas o tom é por vezes categórico, o que
serve para lembrar que as convicções cristãs se traduzem em atitudes
práticas.
1 Macabeus
Os
dois livros dos Macabeus não podem ser classificados com os
precedentes. Seu gênero literário é de história edificante, como
Tobias, Judite, etc..., embora falem de um período bem preciso da
história de Israel e de fatos concretos. Assim, são livros que tratam
de fatos acontecidos, mas relidos à luz da fé. Os dois livros se
distinguem entre si pela data de composição: 2 Mc no II século aC e 1Mc
no século I aC. Também o conteúdo dos dois é diverso: um não é a
continuação do outro! 2Mc abrange o período que vai de 176 a 161 a.C.,
isto é, trata unicamente da perseguição de Antíoco IV e do primeiro
dos irmãos macabeus, Judas. 1Mc trata da história de todos os irmãos
de 75 a 133 a.C.
Uma
coisa os dois têm em comum: tratam da terrível prova que Israel viveu
no tempo do domínio dos gregos sobre a Terra Santa. Israel passou
pela tentação de abandonar a Lei do Senhor para seguir a moda, a
globalização da época, que era o paganismo helenístico!
Assim,
em 1Mc, não é a existência de Israel que é posta em perigo, porém sua
fé, sua identidade religiosa. Israel é ameaçado na sua esperança e
vence a prova apegando-se à lei de Deus. É um livro que nos faz
pensar!
Epistola aos Hebreus
É
ou não é de Paulo? Dificilmente se encontram exegetas que afirmam ser
Paulo o seu autor. Foi escrita antes de 70, ano da destruição do
templo. O escopo prático para os leitores imediatos, que eram judeus, é
o convite a abandonarem o judaísmo e saírem de Jerusalém (ou seja,
das concepções judaicas) carregando a cruz de Cristo. A carta marca a
ruptura definitiva entre cristianismo e judaísmo.
Para
sua caracterização, diremos que não se trata propriamente de uma
carta, embora tenha este nome, e sim de uma longa homilia (1,1-13,21),
acompanhada de curto bilhete. Tema: após as palavras iniciais, põe-se
o autor a definir o nome de Jesus, ou seja, a situação de Jesus com
relação a Deus e aos homens. E a pergunta habitual encontrada em todo o
Novo Testamento: quem é Jesus para nós? A interrogação se torna mais
insistente à medida que prossegue o discurso e se vão delineando os
traços específicos de Jesus e de sua obra. O título dominante de
Jesus, pelo menos do capítulo 5 em diante, é o de sumo sacerdote.
1 Epístola de Pedro
A
primeira de Pedro é um excelente documento de catequese, como era
praticada pelos anos 60. Parece isto tão evidente que muitos a
consideram como uma catequese batismal ou uma homilia pascal. Os
destinatários parecem ser as comunidades da Ásia Menor. Eles tomam
sempre mais consciência de sua originalidade no ambiente em que se
encontram, e isto não lhes é perdoado pelos não-cristãos. Pesam fortes
suspeitas contra a comunidade, precursoras de perseguições. Em tal
período não devem os cristãos esconder-se por medo: o momento deve ser
ocasião para um crescimento na esperança e deve entusiasmá-los pela
imagem de Cristo inocente, humilde e sofredor, sobre cujas pegadas
devem caminhar os crentes expostos a toda a espécie de assaltos.
Abdias
Não
sabemos nada sobre a pessoa de Abdias. No entanto, sabemos que era
exageradamente nacionalista. Tem uma mágoa enorme dos edomitas, porque
apoiaram os babilônicos na destruição e exílio de Israel. Para o
profeta, a destruição de Edom significa já o início do juízo de IHWH
sobre toda a terra. O livro de Jonas é uma crítica a este tipo de visão
mesquinha! É belo ver como um livro corrige o outro: a revelação
dá-se em tensão!
Que
lição poderíamos tirar de um livro azedinho como este? Ele é palavra
de Deus! Um ponto positivo: exalta o poder e a justiça de IHWH.
2 Epístola de Pedro
Esta
segunda carta atribuída a Pedro é, talvez, o último escrito do Novo
Testamento. É dirigido contra os falsos profetas que se infiltram na
comunidade. O problema principal de que trata este escrito é o
retardamento da Vinda do Senhor, que ameaça diminuir a tensão cristã
sobre a realização da história e o fervor dos cristãos. A resposta é
que o Senhor não retarda essa realização, apenas tem paciência, não
querendo que ninguém pereça.
2 Macabeus
Já
falamos sobre ele quando apresentamos 1Mc. Basta agora acrescentar
que o sofrimento dos mártires que morreram para defender a Lei contra o
paganismo grego, faz o autor colocar o problema do sofrimento dos
justos que vão ao martírio. Uma coisa é certa: Deus não abandona seus
amigos, nem na morte! Desta reflexão nasce clara a idéia da
retribuição no além. A ressurreição é aqui afirmada com clareza.
Epístola de Tiago
Poderemos
definir esta carta dos anos 60 como "o evangelho dos pobres". Em
estilo sentencioso, típico da literatura sapiencial, lança-se o autor
com veemência e... com modernidade... à defesa dos pobres. Ele é por
uma Igreja "serva e pobre".
Outros
ensinamentos são: suportar as provações (1,2-18); refrear a língua
(3,1-12). Vem, depois, a alusão ao rito da unção dos enfermos
(5,15-16).
Zacarias
O
livro de Zacarias tem duas partes bem distintas, talvez de dois
autores diferentes! A terminologia de "primeiro e segundo Zacarias",
aqui e ali encontrada, dá bem a divisão do livro. Com efeito, os caps.
1-8 não são da mesma época dos caps. 9-14. O autor dos oito
primeiros é contemporâneo de Ageu e com ele aspira pela reconstrução,
porém o faz em termos de purificação. O passado tem valor como ponto
de partida para uma nova esperança. A segunda parte, ao contrário,
esquece a realidade quotidiana para se projetar aos últimos tempos do
mundo. E a parte messiânica, da qual a liturgia recorda o rei que
monta o burrinho (9,9.10) e "o olhar para aquele que traspassaram"
(12,10-11).
Epístola de Judas
Difícil
estabelecer a época da sua composição. Foi escrita quando os
apóstolos já estavam mortos. É atribuída a Judas para enfatizar a
autoridade do escrito. O escrito é um violento libelo contra os
corruptores da fé que dilaceram a comunidade, inventam hierarquias de
seres celestes para dissolver o senhorio de Cristo e insultar os
anjos. Como se pode ver, aos poucos o cristianismo teve que enfrentar
especulações pseudo-religiosas, de uma religiosidade sem Cristo, que
dissolvia a unicidade, o absoluto e a primazia do Senhor Jesus... como a
Nova Era e o Espiritismo fazem hoje!
1 e 2 Crônicas
Vamos
entrar agora num outro grupo de livros. Assim como logo no início da
leitura da Escritura meditamos na história de Israel segundo a
teologia do Deuteronomista, agora vamos lê-la do ponto de vista de um
outro teólogo, que chamamos de Cronista. Assim, ao lado da obra
histórica do Pentateuco e da História deuteronomística que dela
depende, o Antigo Testamento oferece a do Cronista. Sob este nome
quer-se hoje enfeixar, não sem razão, os livros 1 e 2 das Crônicas e
os de Esdras e Neemias.
Contam
a História, de Davi ao exílio, mas não são uma dupla dos livros de
Samuel e dos Reis. Mudou muito a situação de Israel. Estamos no século
IV a.C., época em que Israel só consegue reconhecer-se no culto de
Jerusalém, pois já perdera a independência política e econômica. Donde
a importância dada pelo autor ao templo, às classes sacerdotais, a
Davi e a Salomão. Davi aqui é só herói, sem defeito... e modelo do
messias que deverá vir para restaurar a Casa de Israel.
Vamos ler de modo contínuo os dois livros das Crônica.
João
Voltamos, agora, aos Evangelhos!
Impossível
seria resumir em poucas palavras este evangelho tão caro aos
místicos, se o próprio João não nos indicasse o caminho. Ele recorda
poucos fatos da vida de Jesus antes da Paixão: encontro com o
Batista e primeiros discípulos, Caná; expulsão dos vendilhões do
templo; encontro com Nicodemos, com a Samaritana e um funcionário do
rei; cura junto à piscina probática, multiplicação dos pães; cura do
cego de nascença, ressurreição de Lázaro; mas essas poucas coisas são
narradas por João para que "creiamos que Jesus é o Cristo, Filho de Deus
e, crendo, tenhamos a vida em seu nome" (20,31).
Para
obedecer a João devemos pois indagar de Jesus em cada página do
evangelho: "Quem és tu?" A resposta será parcial mas sempre a teremos.
Por umas sete vezes o próprio Jesus nos responderá: Eu sou o pão da
vida (6,48); Eu sou a luz do mundo (8,12); sou a porta das ovelhas
(10,7); sou o bom pastor (10,14); sou a ressurreição e a vida (11,25);
sou o caminho, a verdade e a vida (14,6); sou a verdadeira vide
(15,1). E poderemos acrescentar os dois "Eu sou", o da messianidade
(4,26) e o da divindade (8,58).
Só
quem se deixa fascinar pela revelação de Cristo pode dizer com Pedro:
"Senhor, a quem iremos? Somente tu tens palavras de vida eterna"
(6,68).
Esdras
Os
dois livros de Esdras e Neemias são o único documento histórico do
repatriamento dos hebreus vindos do exílio ao findar o século VI e
principiar o V aC. A Bíblia hebraica e a dos LXX consideraram-nos uma
só obra, chamada "o livro de Esdras". Só nos primeiros séculos
cristãos distinguiram-se o 1o e o 2o
livro de Esdras ou o livro de Esdras e o de Neemias. São três os
protagonistas desta obra: Zorobabel, príncipe de Judá, descendente de
Davi, Esdras, o pai do judaísmo líder religioso dos judeus e Neemias,
líder político da comunidade judia, seu governador, nomeado pelo
Império Persa. A história narrada nestes livros tem uma alta
finalidade: é uma história do templo e, portanto, de uma comunidade
formada em torno do templo. Três idéias estão na base da comunidade: a
raça eleita, a lei, o templo, e são a força histórica do judaísmo,
nascido exatamente com Esdras e Neemias. Judaísmo é o nome da religião
de Israel desde a volta do Exílio até nossos dias.
1 Epístola de João
Três cartas são atribuídas a João. São três escritos do fim do primeiro século.
A
primeira é a mais importante; é dirigida às comunidades onde existem
indivíduos (anticristos) que comprometem a autenticidade cristã, negam
a divindade permanente de Jesus (2,22; 4,20) e se declaram em
perfeita comunhão com Deus (2,3; 4,20), embora depois transgridam os
seus mandamentos, especialmente o da caridade (2,4-11). João os
contesta e defende a unidade entre humanidade e divindade, na pessoa
de Jesus; depois, indica os critérios da "comunhão". Um ponto é
imediatamente esclarecido: a união entre ser e agir, conhecimento de
Deus e prática cristã, e esta é sobretudo o amor. A segunda coisa, que
precede a prática, é crer que Jesus veio na carne. A época ideal para
ela é o Tempo de Natal.
Neemias
Já falamos sobre Esdras e Neemias. É só ler a obra!
2 Epístola de João
Esta
segunda carta é dirigida à "Senhora Eleita" e "seus filhos". Esta
"senhora" é uma Igreja (diocese) para a qual o Autor escreve,
alertando contra os hereges que não crêem na encarnação do Filho de
Deus. A preocupação de manter a comunidade na fé leva João a ser
taxativo: os cristãos não devem ter comunhão com estes falsos mestres
hereges. Eles são excomungados (= colocados fora da comunhão dos
irmãos).
Baruc
Estamos
ainda no clima do profeta Jeremias. Este livrinho é atribuído a
Baruc, secretário de Jeremias. Na verdade a obra deve ser do século
III aC - cerca da trezentos anos depois de Jeremias!
O
livro oferece uma profunda análise do pecado: perversão da ordem
moral baseada na justiça de Deus, é uma rejeição da sabedoria. O
remédio para o pecado é o humilde retorno a Deus e a observância da
Lei. O livro apresenta Deus como o Eterno, a fonte da Sabedoria, o
Libertador, o Justo e Misericordioso.
É este um livro comovente pelo espírito contrito, pela busca de penitente arrependimento e pelas belas orações que traz.
Daniel
Também
o Antigo Testamento tem seu Apocalipse - o livro de Daniel justamente
lido na liturgia na última semana do ano litúrgico. O livro de Daniel
não é profético e o jovem Daniel é apenas um personagem literário. O
desconhecido autor deste livro viveu entre 180 e 100 aC. A primeira
parte da obra (caps .1-6) pertence ao gênero literário midráxico, isto
é, interpreta o presente (Israel estava debaixo da opressão) com o
passado (a vitória de um jovem Daniel no tempo do exílio de
Babilônia). O resto, porém, é do gênero apocalíptico. A apocalíptica é
verdadeira continuação da profecia, mas se distingue dela por seu cunho
escatológico (preocupação com o fim dos tempos) radicalmente novo, a
saber, ultraterreno. A apocalíptica não julga as realidades terrenas
com base em sua bondade ou não bondade mas apenas sustenta que o mal
só será completamente superado no término da história. O Filho do
Homem e o Reino dos santos são vistos nesta perspectiva.
3 Epístola de João
A
terceira Epístola de João é endereçada a um particular chamado Gaio e
é um incentivo à fidelidade. Interessante é observar já as oposições à
autoridade apostólica, sempre presente por parte de alguns membros da
Igreja!
Apocalipse
Neste
livro de estilo apocalíptico, como o livro de Daniel, escrito pelo
fim do século I, refere-se João a acontecimentos concretos do seu
tempo. Vê por trás de cada acontecimento da luta entre a Igreja e o
Império o desenrolar do conflito entre Cristo e Satã. Aos cristãos
perseguidos anuncia a esperança: a história é conduzida por Deus e a
vitória final será sua. Mesmo que a situação devesse piorar, seria
loucura ceder. Ninguém mais deve render-se às forças do mal. Tudo
isso, porém vem expresso em linguagem e símbolos tomados ao Antigo
Testamento (Daniel, Apocalipse de Isaías - livro apócrifo).
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