A surpreendente história do padre Douglas Bazi
Sobreviveu a bombas, ao disparo de morteiros e esteve em
cativeiro durante nove dias. O torturaram, quebraram seus dentes e
queimaram o seu corpo com pontas de cigarros. Nem água lhe deram...
Desses nove dias de horror, o padre Douglas gosta de lembrar apenas as
dez argolas das algemas que lhe prendiam suas mãos: “Foi o mais belo
rosário que já rezei em toda a minha vida.”
47 anos, uma voz tranquila e um olhar sereno. Ninguém imagina assim a
sua história, o sofrimento por que passou. O padre Douglas não gosta de
falar de si mesmo. “Não sou nenhum herói”, diz ele, mas, no entanto, já
sobreviveu a dois atentados à bomba e esteve nove dias em cativeiro, no
ano de 2006, em Bagdá, capital do Iraque. O capturaram em uma das
principais avenidas da cidade. O jogaram dentro de um carro e o
vendaram. Se tentasse ver para onde estava indo seria imediatamente
morto. Os sequestradores queriam 1 milhão de dólares de resgate. Raptar
cristãos no Iraque pode ser bem lucrativo. Neste caso, não houve
dinheiro. O padre Douglas acabou por ser libertado a troco de nada, mas
as marcas desses dias terríveis ficaram para sempre. Até hoje. Até
agora.O CATIVEIRO
Foram nove dias sem comer nem beber água. Foram mais de 200 horas de suplício, de tortura. Foi queimado com pontas de cigarro e muito agredido a ponto de ter dentes e o nariz quebrado. Todo tempo algemado. O padre Douglas Bazi, quando recorda esses dias em que a sua vida esteve por um fio, prefere se lembrar apenas dessas algemas. “Foi o mais belo rosário que já rezei em toda a minha vida.” Essas algemas, que foram colocadas para prender os seus movimentos, libertaram o seu espírito. “Tinham exatamente dez argolas.” Os torturadores podiam bater, queimar o corpo, gritar no ouvido, privar de comida e de água. Podiam até ameaçar sua vida, encostando – como fizeram tantas e tantas vezes – o cano de uma pistola em sua cabeça. Fizeram isso tudo e nunca repararam, nem podiam reparar, que os dedos do padre Douglas iam acariciando as argolas das algemas, numa oração ininterrupta de “ave-marias”. Batiam em seu corpo mas não podiam prender a sua alma.
DIAS DE TUMULTO
O padre Douglas tem várias cicatrizes desses dias de terror e dos vários atentados que já sofreu. Porém, não gosta de falar de si. Prefere falar dos outros, dos milhares de cristãos que estão sendo expulsos do Iraque. O padre Douglas nunca conheceu verdadeiramente dias de paz no seu país. Quando criança houve a guerra com o Irã. Depois foi a invasão do Kuwait, a guerra do Golfo, a queda de Saddam Hussein… Só memórias de guerra. E durante todo esse tempo, aos poucos, os cristãos foram perdendo direitos e se tornaram cidadãos de segunda categoria. Nem nos documentos de identidade - que trazem o nome, a idade, o sexo e a religião da pessoa -, são identificados como cristãos. São apenas os “não-muçulmanos”. São o povo do padre Douglas. “São a minha gente”, costuma dizer.
IGREJA DE SANGUE
O padre Douglas vive hoje em Ankawa. Ele é um refugiado entre refugiados. Como milhares de cristãos também precisou fugir de Mossul perante o avanço dos jihadistas do “Estado Islâmico”. Apesar de tudo o que já passou, dos dias de cativeiro, das bombas que caíram perto dele, da explosão de morteiros junto à igreja enquanto celebrava a Missa, das cicatrizes que guarda no corpo... Apesar de tudo isso o padre Douglas tem apenas uma preocupação: ajudar o povo a sobreviver a estes dias de provação. “Esta é uma Igreja de sangue. Pertenço a uma Igreja que pode ser chamada de sangue. No meu país, se alguém fizer um buraco para procurar petróleo, vai descobrir sangue de cristãos. Porém, o petróleo é mais caro do que o sangue dos mártires.”
GRITO DE AJUDA
Em Ankawa, padre Douglas tem sob a sua responsabilidade a vida de mais de 100 famílias cristãs. Refazer vidas é uma tarefa muito difícil. Quase tão impossível como esquecer as marcas da violência que ainda perduram no corpo e na memória de tantos cristãos. A Ajuda à Igreja que Sofre apoia diretamente o trabalho do padre Douglas junto dos que estão no campo de refugiados de Mar Elia, em Ankawa. Todos eles perderam tudo. Provavelmente será impossível o retorno às suas casas, às suas aldeias. No Iraque, para os Cristãos, não há regresso possível ao passado e o futuro é uma dúvida terrível. Nestes dias de pavor, o padre Douglas tenta consertar vidas, fazendo verdadeiros milagres com o pouco que tem. Os Cristãos, no Iraque, vivem “permanentemente numa Sexta-feira Santa”, diz ele. As suas palavras são um verdadeiro grito de ajuda. “Se têm algum poder e vontade para salvar o meu povo, por favor, não parem. Façam alguma coisa. Por favor, salvem-nos!”