Lutero tinha o mesmo cânone bíblico que seus seguidores
É comum os protestantes acusarem a Igreja Católica de
ter adicionado, no Concílio de Trento em 1547, livros ao cânone bíblico (os 7
livros deuterocanônicos: Tobias, Judite, I e II Macabeus, Baruc, Eclesiástico e
Sabedoria), e que eles, assim como Lutero, conservam os 66 livros que antes
eram tidos como inspirados.
Bem, além do fato da Igreja primitiva usar abertamente e doutrinariamente
73 livros e o Concílio de Trento não ter adicionado nada, mas apenas confirmado
a fé secular da Igreja, os protestantes não sabem que Lutero não tinha nem
mesmo os mesmos livros que eles têm como inspirados. Devido a isto neste artigo
será mostrado que, na realidade, quem modificou a Bíblia foi Lutero e não o
concílio de Trento.
CONCÍLIOS ANTERIORES A TRENTO
Para confirmar que o concílio de Trento não adicionou nada à Bíblia,
serão vistos agora 2 Concílios anteriores a ele, um 1100 antes e o outro 100
anos antes, para provar qual cânone bíblico sempre foi aceito pela Igreja.
Concílio Cartago IV (Ano 419 d.C)
“Cânone 24 (Grego XXVII)
Nada seja lido na igreja ao exceto as escrituras canônicas.
Item, que, exceto as Escrituras Canônicas nada seja lido na igreja sob
o nome de Escritura divina. Mas as Escrituras canônicas são as seguintes:
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, filho de Nun, Os
Juízes, Rute, Os Reis quatro livros, As Crônicas 2 livros, Jó, o Saltério, os
cinco livros de Salomão[1], os doze livros dos Profetas, Isaías, Jeremias[2],
Ezequiel, Daniel, Tobias, Judite, Ester, Esdras dois livros, Macabeus dois
livros.
O Novo Testamento
Os Evangelhos quatro Livros, Os Atos dos Apóstolos um livro, As
quatorze epístolas de Paulo, As epístolas de Pedro, o Apóstolo, duas; As
Epístolas de João, o apóstolo, três; A Epístola de Tiago, o Apóstolo, uma; A
Epístola de Judas, o Apóstolo, uma; A Revelação de João, um livro.” (CARTAGO,
419)
E também a mesma lista de 73 livros de Trento é repetida no Concílio de
Florença, 100 anos antes:
Concílio de Florença (Ano 1442 d.C)
No concílio de Florença, concílio que tentou unir novamente os 5
patriarcados, estavam presentes católicos e ortodoxos, quando foi decretado:
“Decretum pro laçobitis
(ex Bulla « Cantate Domino », 4 Fev. 1441)
O Sacrossanto concílio professa que um e o mesmo Deus é o autor do
Antigo e Novo Testamento, isto é, da Lei, dos profetas e do Evangelho, pois os
Santos de ambos os Testamentos falaram sob a inspiração do mesmo Espírito
Santo. Este Concílio Aceita e venera os Seus livros que vêm indicados pelos
títulos seguintes: O Pentateuco de Moisés, isto é, Genesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio; Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis, 2 dos
Paralipômenos, Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, Jó, o Saltério de Davi,
as Parábolas (Provérbios), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria,
Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, os Doze Profetas menores
(isto é, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias) e dois livros dos Macabeus. Quatro Evangelhos,
Mateus, Marcos, Lucas e João; quatorze epístolas de Paulo, uma aos Romanos,
duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, uma aos Efésios, uma aos Filipenses, uma
aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, duas a Timóteo, uma a Tito, uma a
Filemon, uma aos Hebreus; duas epístolas de Pedro, três de João, uma de Tiago,
uma de Judas, os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse de João”. (SAINT LIBERÈ,
2008)
Isto também é confirmado por
Historiadores protestantes:
“O concílio de Hipona em 393, e o terceiro (de acordo com outro acerto
de contas o sexto), concílio de Cartago, em 397, sob a influência de Agostinho,
que participou de ambos, fixou o cânone católico das Escrituras Sagradas,
incluindo os apócrifos do Antigo Testamento [...]. O cânone do Novo Testamento
é o mesmo que o nosso. Esta decisão da igreja de além-mar, no entanto, foi
sujeita a ratificação, e recebeu a concordância da Sé Romana quando Inocêncio I
e Gelásio I (414 d.C) repetiram o mesmo índice de livros bíblicos. Este cânone
permaneceu intacto até o século XVI, e foi aprovado pelo concílio de Trento na
sua quarta sessão.” (SCHAFF, Philip, História da Igreja Cristã, vol. III, Cap.
9)
“Pela grande maioria, porém, os escritos deuterocanônicos atingiram o
grau de inspirados com o máximo de senso. Agostinho, por exemplo, cuja
influência no ocidente foi decisiva, não fazia distinção entre eles e o resto
do Antigo Testamento... a mesma atitude com relação aos apócrifos foi tomada
nos Sínodos de Hipona e Cartago em 393 e 397, respectivamente, e também na
famosa carta do papa Inocêncio I ao bispo de Toulouse Exuperius, em 405”
(Doutrina Cristã Antiga, 55-56).
Outra fonte protestante que refuta os próprios acusadores protestantes
é o Dicionário Oxford da Igreja Cristã que refere-se ao sínodo anterior a
Hipona e Catargo, o de Roma no ano 382:
“Um concílio, provavelmente, realizado em Roma em 382 sob S. Dâmaso,
deu uma lista completa dos livros canônicos tanto do Antigo Testamento quanto
do Novo Testamento (também conhecido como o “Decreto Gelasiano” porque foi
reproduzido por Gelásio em 495), que é idêntico à lista dada em Trento.” (2 ª ed, editado por FL Cross & Livingstone EA, Oxford
University Press, 1983, p.232)
LUTERO REJEITOU OS LIVROS QUE OS
PROTESTANTES TEM COMO CANÔNICOS
Agora veremos como Lutero rejeitou os livros que hoje os protestantes
aceitam como inspirados bem como os livros deuterocanônicos, mostrando que na
realidade foi ele quem modificou o cânon bíblico que era aceito na Igreja de
Cristo deste o primeiro século, baseando se apenas no que ele achava certo ou
não. As citações de Lutero foram retiras do seu livro “Conversas de Mesa” e da
American edition of Luther's Works, vol 35, presente neste site protestante
“Bible Reseacher”.
Nas Conversas de Mesa ele nega a inspiração de Ester (Livro que os
protestantes aceitam) e também o livro deuterocanônico de II Macabeus;
“Eu sou tão grande inimigo do segundo livro dos Macabeus, e de Ester,
que eu gostaria que eles não tivessem chegado a nós em tudo, pois eles têm
perversidades pagãs demais. Os judeus estimam mais o livro de Ester do que
qualquer um dos profetas; Pois eles são proibidos de lê-lo antes de terem
atingido a idade de trinta anos, em razão da matéria mística que ele contém.”
(Conversas de Mesa, 24).
Lutero neste comentário parece odiar o livro de Ester bem como o de
Macabeus, até chegar ao ponto de dizer que é “inimigo” deles.
Em 1522, no prefácio de sua tradução alemã às Epístolas de S. Tiago e
S. Judas, nega a inspiração de ambos, e assume que a Epistola de Tiago
contradiz a epístola de Paulo aos romanos, e que Judas não deve ser contada
entre os livros para confirmação da fé:
“Embora esta epístola de São Tiago fosse rejeitada pelos anciãos, eu
elogio-a e considero-a um bom livro, porque estabelece não doutrinas de homens,
mas vigorosamente promulga a lei de Deus. No entanto, afirmo a minha própria
opinião sobre isso, embora sem prejuízo para ninguém, eu não considero como uma
escrita de um apóstolo, e as minhas razões seguem.”
Em primeiro lugar, é terminantemente contra São Paulo e todo o resto da
Escritura em atribuir a justificação às obras. Ela diz que Abraão foi
justificado por suas obras, quando ofereceu seu filho Isaac, embora em Romanos,
São Paulo ensine o contrário, que Abraão foi justificado sem as obras, por sua
fé, antes que ele tivesse oferecido seu filho, e prova isso por Moisés em
Gênesis 15. Agora, embora esta epístola pode ser ajudada e uma interpretação
concebida para essa justificação pelas obras, não pode ser defendida em sua
aplicação às obras da declaração de Moisés em Gênesis 15. Pois, Moisés está
falando aqui apenas da fé de Abraão, e não de suas obras, como São Paulo demonstra
em Romanos. Esta falha, portanto, prova que esta epístola não é o trabalho de
qualquer apóstolo.”
Aqui ele assume que o livro de Tiago tem falhas e contradiz toda a
bíblia ou seja para ele é uma obra puramente humana, tudo quando os
protestantes rejeitam! Continua o seu relato:
“Em segundo lugar o seu objetivo é ensinar aos cristãos, mas em todo
este logo ensino, ele não menciona uma única vez a Paixão, a ressurreição, ou o
Espírito de Cristo. Ele cita várias vezes Cristo, contudo não ensina nada sobre
ele, mas só fala de fé em Deus em geral. Agora, é dever de um verdadeiro
apóstolo pregar a paixão, ressurreição e função de Cristo, e estabelecer o
fundamento para a fé nele, como o próprio Cristo diz em João 15, “Dareis
testemunho de mim”. Todos os livros sagrados genuínos estão de acordo nisto, de
que todos eles pregam e inculcam Cristo. E esse é o verdadeiro teste para
julgar todos os livros, quando vemos ou não inculcar Cristo. Pois todas as
Escrituras mostram-nos Cristo, Romanos 3; e São Paulo não conhecerá nada além
de Cristo, I Coríntios 2. O que não ensina Cristo não apostólico, mesmo se São
Pedro ou São Paulo faz o ensino. Novamente, o que prega Cristo é apostólico,
mesmo se Judas, Anás, Pilatos e Herodes estavam fazendo isto.
Mas este Tiago não faz nada mais do que levar à lei e suas obras. Além
disso, ele joga as coisas juntas muito caoticamente que me parece ele deve ter
sido algum homem bom e piedoso, que pegou alguns ditos dos discípulos dos
apóstolos e assim os jogou no papel. Ou talvez tenha sido escrito por alguém
com base em sua pregação. Ele chama a lei de “lei da liberdade”, embora Paulo
chama de lei da escravidão, da ira, da morte, e do pecado.
Além disso, ele cita as palavras de São Pedro: “O amor cobre uma
multidão de pecados”, e novamente, “Humilhai-vos debaixo da mão de Deus”,
também o provérbio de São Paulo em Gálatas 5, “O Espírito cobiça contra a
inveja”. E ainda, a respeito de tempo, São Tiago foi condenado à morte por
Herodes em Jerusalém, antes de São Pedro. Então, parece que este autor veio
muito tempo depois de São Pedro e São Paulo.
Em uma palavra, ele queria se proteger contra aqueles que confiaram em
fé sem as obras, mas estava inconstante a tarefa de espírito, pensamento e
palavras. Ele destroça as Escrituras e, portanto, se opõe Paulo e toda a
Escritura. Ele tenta aperfeiçoar pela insistência sobre a lei, o que os
apóstolos aperfeiçoaram, estimulando as pessoas a amar. Portanto, não vou tê-lo
em minha Bíblia contado entre os principais livros de verdade, embora eu não
impediria ninguém de incluir ou exalta-lo como lhe apraz, pois há de outra
forma muitos provérbios bons nele. Um homem não é um homem em coisas mundanas;
como, então, deve este homem isoladamente se opor contra Paulo e todo o resto
da Escritura?
Em relação à epístola de São Judas, ninguém pode negar que é um extrato
ou cópia da segunda epístola de São Pedro, todas as palavras são muito
parecidas. Ele também fala dos apóstolos, como um discípulo que vem muito
depois deles e cita frases e incidentes que não são encontrados em nenhum outro
lugar nas Escrituras. Isso levou os antigos patriarcas a excluírem esta
epístola do corpo principal das Escrituras. Além disso, o apóstolo Judas não
foi para terras de língua grega, mas para a Pérsia, como é dito, de modo que
ele não escreveu grego. Portanto, embora eu valorize este livro, é uma epístola
que não precisa ser contada entre os principais livros que deveriam lançar as
bases da fé.”
Lutero outorga para si o poder de decidir em qual livro quer crer e
livremente tece comentários sobre os livros como se fosse senhor deles e capaz
de dizer se um livro é inspirado ou não baseado no que ele acha certo ou não.
Diz que a Epístola de Judas não deve ser usada para confirmar a doutrina, ou
seja, como ele diz: “lançar as bases da fé”.
No prefácio ao Apocalipse nega a inspiração deste mesmo livro. E diz
que não pode detectar a presença do Espírito Santo nele:
“Sobre o livro do Apocalipse de João, deixo todos livres para terem
suas próprias opiniões. Eu não obrigo ninguém a seguir minha opinião ou
julgamento. Eu digo o que sinto. Eu sinto a falta de mais de uma coisa neste
livro, e isso me não faz considerá-lo nem apostólico nem profético.
Em primeiro lugar, os apóstolos não lidam com visões, mas profetizam em
palavras claras e simples, assim como Pedro e Paulo, e Cristo no evangelho. Por
isso convém ao múnus apostólico falar claramente de Cristo e suas obras, sem
imagens e visões. Além disso não há profeta no Antigo Testamento, e também nada
do Novo, que lida de forma exclusiva com visões e imagens. Para mim, acho que
se aproxima do Quarto Livro de Esdras [apocalipse de Esdras]; Eu não posso de maneira
nenhum detectar que o Espírito Santo o produziu.
Além disso, ele me parece estar indo longe demais quando ele elogia o
seu próprio livro tão altamente - na verdade, mais do que qualquer um dos
outros livros sagrados faz, apesar de serem muito mais importantes - e ameaça
que, se alguém tirar qualquer coisa de ele, Deus se apartará dele, etc. Mais
uma vez, elas supõem abençoar quem guardar o que está escrito neste livro; e
ainda ninguém sabe o que é, pois não diz nada aguardar. Este é o mesmo como se
não tivéssemos o livro. E há muitos livros muito melhores disponíveis para
guardarmos.
Muitos dos pais também rejeitaram este livro há muito tempo, embora.
São Jerônimo, com certeza, se refere a ele em termos exaltados e diz que está
acima de todo louvor e de que há muitos mistérios nele como palavras. Ainda assim,
Jerônimo não pode provar isso, e o seu louvor em vários lugares é muito
generoso.
Finalmente, vamos todos pensar nele como o seu próprio espírito o guia.
Meu espírito não pode acomodar-se a este livro. Para mim, isso é razão
suficiente para não pensar muito nele: Cristo não é nem ensinado nem conhecido
nele. Mas ensinar Cristo, esta é uma coisa que um apóstolo é obrigado, acima de
todo o resto, a fazer; como Cristo diz em Atos 1: “Vós sereis minhas
testemunhas”. Por isso me atenho aos livros que apresentam Cristo para mim de
forma clara e pura”.
Por que será que os protestantes não leem as obras de Lutero? Ora, se
Lutero errou em seu julgamento sobre quais livros são inspirados, será que não
se equivocou também em relação as outras doutrinas da Igreja?
Infelizmente os protestantes não percebem que o cristianismo foi
fundado por Jesus há quase 2000 anos e não por homens 1500 anos após ele. Se há
dúvidas sobre a autenticidade dos ensinamentos atuais da Igreja Católica, o
modelo de referência não devem ser interpretações pessoais e subjetivas, mas a
fé dos primeiros séculos. A História mostra que, embora outros tenham tomado
empréstimo dos princípios de Lutero como “Sola Scriptura”, “Sola fide” etc., o
mesmo não ocorreu com sua doutrina. Lutero viveu bastante tempo para atestar
isso, segundo pudemos verificar em seus escritos.
Portanto, fica provado que Lutero além de tirar os 7 livros
deuterocanônicos ainda removeu mais 4 livros (Judas, Ester, Apocalipse e Tiago);
isso obrigou a Trento a, mais uma vez, reafirmar a fé milenar da Igreja e
decretar novamente o mesmo cânon bíblico dos primeiros séculos.
-0-0-
[1]
Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria e Cânticos.
[2] Jeremias, Baruc e Lamentações
PARA CITAR
RODRIGUES, Rafael. Apologistas Católicos. Lutero tinha o mesmo cânone
bíblico que seus seguidores protestantes? Disponível em: Desde 23/07/2012.
FONTE ;
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