25 julho 2018

Conheça o único padre do leste da Sibéria


Os campos da morte criados por Stalin no Ártico


Mark Riedemann, da Fundação Pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre, entrevistou o Padre Michael Shields, sacerdote missionário norte-americano que atende os “represaliados”, os últimos sobreviventes do Gulag que ainda vivem na localidade de Magadan, uma cidade portuária de 120.000 habitantes à beira do Mar Ojotsk, no longínquo oriente da Sibéria, que foi o centro dos campos da morte criados por Stalin, no Ártico.



O centro consistia em um amplo sistema de campos de trabalho e prisões na Sibéria, nos quais foram presos, maltratados e faleceram homens e mulheres vítimas da inanição, do frio, da fome ou das execuções ocorridas entre 1932 e 1954. O número de mortos neste lugar se estima em 2 milhões de pessoas.

Sacerdote há mais de 32 anos, Padre Michael sentiu em um determinado momento de sua vida um forte desejo de viver com a Igreja da Rússia, que sofre e está emergindo, e por isso foi trabalhar em Magadan, um lugar de sofrimento, conhecido como “o Calvário da Rússia”, cuja padroeira é Nossa Senhora das Dores, padroeira também de todo o país.

“Na Rússia há uma profunda veneração à Virgem Maria. Penso que aqui há mais festas ou ícones da virgem e seu Filho, Nosso Senhor, que em qualquer outro lugar”, diz Pe. Michael. “Ela sustenta os moradores de Magadan —me parece— e de especial maneira porque sustenta os mártires, aqueles que deixaram sua vida por sua fé, no Gulag”, completou.

Para o Pe. Shields, Magadan era para a Rússia o que Auschwitz era para toda a Europa. “Penso que as pessoas que na Rússia falam de Magadan se encontram com a mesma reação que uma pessoa que, na Alemanha, diga «Auschwitz»: em todo o mundo se conhece este símbolo, um símbolo do sofrimento daquele tempo. Magadan é o símbolo dos sofrimentos nos campos de prisioneiros”.

Descrevendo as duras penas dos prisioneiros de Magadan, o sacerdote afirma que “muitos deles tinham passado dois meses viajando de trem, e muitos morreram no caminho devido à fome e às duras condições. Não sabiam o destino da sua viagem; ninguém sabia para onde ia. Ninguém lhes disse aonde eram levados. Ao final chegaram a uma região costeira, perto de Vladivostok, na cidade portuária da Najodka. O que descrevem as pessoas é que um oceano de gente (literalmente) se encontrava ali, e em certos momentos, a este lugar chegavam centenas de milhares de pessoas ao mesmo tempo. Era então quando lhes diziam aonde seriam levados: de Vladivostok a Magadan”.

“Muitos (cerca de até 5.000 pessoas) morreram durante o translado: amontoados no casco do navio; outros levavam posta a mesma roupa que tinham no momento em que foram detidos. De novo eram meses de viagem. Nisto, já era inverno e muitos morreram pelas inclemências do tempo e pelas condições”, narra o missionário.

Chegando a Magadan — que tem um clima muito duro; com temperaturas que podem chegar aos 40° C — muitos morreram tão logo desceram do navio. Era o mês de outubro, inverno, e levavam roupa de verão. Os que sobreviveram foram marcados e distribuídos em grupos; por último, eram levados aos diversos campos de prisioneiros.

Muitos destes prisioneiros, ressaltou o padre, eram católicos, de rito grego ou latino, e para viver sua fé eles se sustentavam na oração apesar da repressão dos guardas dos campos de concentração do regime ateu soviético.

“Rezavam sempre e rezavam em silêncio. Nem sequer moviam os lábios ao rezar, pois isso podia causar suspeita. A outra realidade é que, quando tinham a possibilidade de reunir-se em grupos, apoiavam-se uns aos outros em sua fé. Uma mulher disse que nunca tinha vivido uma Páscoa tão indescritível como no campo de prisioneiros, quando os guardiães olhavam para outro lado. Alguns tinham guardado alguns pães e se reuniram para fazer a «Paska», o pão de Páscoa. Assim, os ortodoxos, os católicos e inclusive os judeus celebraram juntos a Páscoa em seu campo de prisioneiros”.

Em Magadan há um monumento em lembrança aos refugiados, que tem como nome “Máscara do Luto”. Este é um dos poucos monumentos que recordam os campos de prisioneiros na Rússia.

Falando sobre uma recém-construída capela na sua igreja, Padre Michael Shields partilha: “dava-me conta de que as pessoas precisam de um lugar para rezar, um lugar no qual fosse reconhecida sua fé. Por isso, ampliei a capela da nossa própria igreja. Não estava previsto, mas me veio à mente que simplesmente necessitávamos um lugar para rezar. Essa capela se chama agora Capela dos Mártires. As pessoas penduram cruzes dos muros de rocha recordando os que morreram nos campos de prisioneiros, mas para mim é um lugar de oração”.

“Rezo diante do Santíssimo Sacramento diariamente pelas manhãs e pelas tardes nessa capela por todos aqueles que sofreram e por aqueles que emergem da nova Igreja na Rússia, que nasce da Igreja que sofre”, concluiu o sacerdote.

De: acn.org.br

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