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Celebração da Finitude
Por Maria Clara Bingemer
"Ora, Deus não é Deus de morto, mas sim de vivos; todos, com efeito, vivem para ele" (Lc 20,38).
A celebração do dia de finados, ou seja, mortos, nos
recorda algo que é ao mesmo tempo belo e dramático enquanto seres
humanos: nossa mortalidade e finitude. Nossa condição de seres
vulneráveis, que, embora sendo e podendo ser cidadãos do infinito, são
também e não menos, barro perecível, em aliança e solidariedade com a
perecibilidade e a condição mortal de toda a criação.
A ritualização da morte, a pergunta pelo que existe
além dela e a comunicação com os mortos como habitantes de um outro
nível da existência são a manifestação religiosa mais antiga da
humanidade. Antes de identificar divindades transcendentes a quem
adorar, o ser humano intuiu não ser feito para a morte, mas para a vida e
procurou comunicar-se com aqueles que, em vida, haviam sido seus seres
queridos, que não poderiam simplesmente ter desaparecido sem deixar
rastro, mas deveriam estar vivos em outra dimensão e outro nível
existencial.
O dia de finados nos relembra tudo isso. E faz uma
interpelação fundamental a nossa fé. A interpelação de crer na vida.
Mais: a interpelação de crer inabalavelmente que Deus é o Deus da vida e
que, portanto, não criou a morte, mas a vida. A morte entrou no mundo
como salário do pecado, que os seres humanos introduziram na dinâmica
vital da existência pelo uso desviado e deturpado de sua liberdade.
O pano de fundo deste estado de coisas, na Bíblia, é
belo e estimulante. Para o homem bíblico, a vida não só provém de Deus,
como só nele encontra sua fonte, seu ser, seu existir e seu dinamismo.
É, por assim dizer, o outro nome de Deus. Assim como diz 1 Jo 1,5: "Deus
é luz e nele não há treva alguma", poder-se-ia igualmente dizer "Deus é
vida e nele não há morte alguma". Ele é o Deus que transforma o caos em
cosmos, que inaugura mundos do nada, que faz o deserto virar jardim,
que engravida virgens e estéreis, que faz brotar e crescer a vida ali
onde ela pareceria impossível.
Desse Deus, portanto, não brota a morte, que é
chamada, inclusive pela própria Bíblia, de inimiga da condição humana,
sobretudo quando se trata da morte do jovem da criança, ou, como diz o
grande poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, "fruto amargo das
estruturas injustas e opressoras. Uma morte Severina, correspondente a
uma vida de igual nome: De emboscada antes dos vinte / De velhice antes
dos trinta / De fome um pouco por dia..." (Morte e Vida Severina)
E no entanto, para nós que cremos em Jesus Cristo
vivo, morto e ressuscitado, esta inimiga foi vencida e, portanto, não há
por que temê-la. Quando Deus mesmo, o Criador, o Autor da vida entrou
na história e tomou carne humana, dispôs-se a viver nossa vida com todas
as suas conseqüências. Ou seja, Aquele que ninguém podia ver e
continuar vivo tomou nossa carne mortal e partilhou amorosamente nossa
finitude.
Ao morrer e ressuscitar gloriosamente, e ser
reconhecido pelas testemunhas, que o conheceram e amaram, estes e estas
proclamaram maravilhados: "Não era possível que a morte o retivesse em
seu poder" (At 2,24) A esse que os homens mataram Deus constituiu Senhor
e Cristo.
Por causa disto, então, nós podemos exclamar, cheios
de esperança, com São Paulo: "Morte, onde está a tua vitória? Onde está,
ó morte, o teu aguilhão?"(cf. Rom 8, 1 ss). Graças à vitória de Jesus
Cristo sobre a morte, podemos crer que aqueles que amamos e que já não
se encontram vivos na história estão vivos para sempre em Deus, gozando
da plenitude do Seu amor. Por outro lado, podemos esperar sorridentes e
serenos que nosso destino tampouco é um fim irremissível, mas a vida em
plenitude ao lado de nosso Senhor e Criador.
Celebrando a festa de finados, celebremos alegremente
nossa finitude. Ela nos assegura de nossa proximidade a Jesus Cristo,
aquele que nos salvou e redimiu. Ela nos anima, igualmente, a lutar
contra tudo que, na vida, impede que o ser humano tenha em sua condição
de ser finito um motivo de júbilo e não de pavor.
Vivos na história e vivos em Deus, somos todos vivos.
Vivos da vida que jorra do Espírito de Deus e que jamais termina, pois é
fonte inesgotável de amor e esperança.
Maria Clara Bingemer, teóloga e prof. da PUC/RJ.
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Finados "A pedra sepulcral do último asilo
Seja branca e descanse à sombra da cruz"
Os versos do poeta exprimem o anseio de todo coração
brasileiro: repousar, no cemitério, à sombra da Cruz. No turbilhão da
vida, terá muitas vezes rompido os vínculos que o prendem a Deus e ao
céu. A Cruz no alto dos campanários, apontando-lhes o céu, te-lo-á
trazido de novo ao caminho certo do homem neste mundo, viajor que é em
demanda da Eternidade.
A Cruz de Cristo é a esperança nos embates da vida.
Ela ampara nas dores, encoraja à emenda. Salve Cruz, esperança única,
diz a Igreja na sua Liturgia. E realmente não fora o sacrifício redentor
da Cruz esta vida teria o desfecho fatal de condenação eterna.
Eis que, apesar de todas as infidelidades dos homens,
a Cruz ainda o anima a esperar o perdão e a graça de corrigir o
procedimento.
Tão benéfica e consoladora esperança nos acompanha a vida toda!
Por isso, também os cemitérios se enchem de cruzes.
Elas marcam os preciosos relicários onde repousam os corpos dos tementes
a Deus. São elas um ato de confiança na Misericórdia de Divina, e sinal
da esperança consoladora. Nas tristezas que aos mortais causa a
ausência dos entes queridos, que já se foram, a Cruz aponta para o
horizonte sem fim. É o que consola o poeta que "à sombra da Cruz" se
sentia
"Contente por saber que dali se descerra
Um horizonte, ao seu olhar, menos estreito".
Ninguém há, neste mundo, que tenha a ilusão de ser
perfeito. No seu íntimo sabe muito bem que dista infinitamente da
santidade de Deus. Percebe, no entanto, que seu corpo foi feito para
Deus e, como muito bem notou S. Agostinho, inquieta-se até que repouse
em Deus. Ora, este repouso só é possível mediante a Cruz de Cristo. Ela,
na campa, do cemitério é a última profissão de fé nesta verdade e
afirmação de uma esperança que não confunde, porque é alimentada pelo
Sangue de Cristo.
Finados é assim consolação para vivo e mortos. Os
vivos na Cruz do cemitério prevêem e esperam o repouso tranqüilo no seio
de Deus; e consola-os a esperança de que seja este o verdadeiro repouso
dos seus queridos finados, que os precederam sob o mesmo sinal da Cruz.
São assim os cemitérios monumentos levantados nas
cidades à existência e soberania de Deus. Desse modo, sua missão social:
animam a fé, confortam nas dores, incutem a paciência nas tribulações,
previnem rixas, incitam ao perdão, preparam os apaziguamentos. São
verdadeiras mansões de paz. Pois estão sob o sinal do Príncipe da paz.
Razão porque registramos com profunda amargura, o
despontar de cemitérios, totalmente laicizados, onde se impõe aos
usuários a proibição de que o corpo descanse a sombra da Cruz.
Em nosso último artigo comentamos a dolorosa difusão
que vai alcança o ateísmo moderno, pois, tais cemitérios são dos
melhores instrumentos para difundir generalizar esse ateísmo. Levam as
pessoas a viver e morrer como se Deus não existisse.
+(a) Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos
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