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Primeira Missa no Brasil |
1. A Igreja Católica vendia lugares no Céu?
É claro que não!
Para que possamos compreender como responder a esta absurda acusação,
é necessário que compreendamos a doutrina das Indulgências.
"O pecado tem uma dupla consequência. O pecado grave priva-nos da
comunhão com Deus e, consequentemente, nos torna incapazes da vida
eterna; esta privação se chama 'pena eterna' do pecado. Por outro lado,
todo pecado, mesmo o venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas
que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no
estado chamado purgatório. Esta purificação liberta da chamada ''pena
temporal' do pecado. Estas duas penas não devem ser concebidas como uma
espécie de vingança infligida por Deus do exterior, mas antes como uma
consequência da própria natureza do pecado. Uma conversão que procede de
uma ardente caridade pode chegar à total purificação do pecador, não
subsistindo mais nenhuma pena.
O perdão do pecado e a restauração da comunhão com Deus implicam a
remissão das penas eternas do pecado. O cristão deve esforçar-se,
suportando pacientemente os sofrimentos e as provas de todo tipo e,
chegada a hora de enfrentar serenamente a morte, aceitar como uma graça
essas penas temporais do pecado; deve aplicar-se, através de obras de
misericórdia e caridade, como também pela oração e diversas práticas de
penitência, a despojar-se completamente do 'velho homem' para
revestir-se do 'homem novo". (Novo Catecismo da Igreja Católica,
parágrafos 1472 e 1473)
A pena eterna do pecado nos é perdoada pelo Sacramento da
Reconciliação (Confissão). Quando recebemos a absolvição sacerdotal,
temos perdoadas a pena eterna, mas não a temporal.
Afinal, Jesus disse que devemos "pagar até o último centavo" (Mt 5,26).
A remissão da pena temporal pode ser feita pela caridade, oração e penitência.
Um costume muito antigo na Igreja é o das penitências públicas; o
penitente, desejoso de pagar a pena temporal de seu pecado, após a
absolvição sacerdotal ia para a rua para publicamente pagar por seu
pecado.
Esta forma pública e pesada de penitência, entretanto, muitas vezes
era impossível de cumprir para muitos, por razões de idade ou saúde.
A Igreja então, por misericórdia, apelou para o seu Tesouro de
Méritos (as orações e obras de todos seus membros, vivos e mortos), e
passou a indulgenciar alguns atos já por si meritórios. Dentre eles
podemos contar, por exemplo, a oração feita em um cemitério no dia de
Finados, a participação na construção de uma catedral, e muitos outros.
A Indulgência corresponde a um período de penitência pública. Uma
indulgência de cem dias, por exemplo, referir-se-ia a cem dias de
penitência pública. Hoje em dia, por não haver mais penitências públicas
(a não ser em alguns lugares, como as Filipinas), as pessoas perderam
de vista o referencial que era então usado, e a Igreja passou a
classificar as indulgências apenas como plenárias (remissão total da
pena temporal) ou parciais.
Para que uma indulgência possa ser recebida, porém, é necessário que sejam cumpridas algumas condições:
- Deve ter sido feito um exame de consciência rigoroso e minucioso, seguido de Confissão e subsequente absolvição sacerdotal, além de assistir a Missa completa e comungar.
- A pessoa que faz o ato indulgenciado deve ter absoluto horror aos pecados que cometeu e a firme intenção de não mais cometê-los.
- Ela deve ter em mente seu desejo de lucrar a indulgência associada ao ato enquanto o executa.
Dentre as ações indulgenciadas, havia algumas que podiam ser feitas
de maneira indireta (o que foi proibido no século XVI, por haver uma
compreensão errônea da doutrina por muitos). Um exemplo disso seria a
participação financeira na construção de uma catedral.
Ora, para que alguém lucre uma indulgência, é necessário que antes
tenha se confessado. Para lucrar uma indulgência, portanto, a pessoa já
deve ter sido absolvida da pena eterna de seu pecado, que a levaria ao
Inferno.
Indulgências, portanto, nunca poderiam levar para o Céu alguém que por seus atos escolheu o Inferno.
Além disso, há a necessidade de que a pessoa tenha horror ao pecado
cometido e firme intenção de não mais pecar. As indulgências não podem
ser aplicadas aos pecados ainda a cometer, apenas aos já cometidos, e
mesmo assim apenas nas condições expostas acima.
A indulgência é na verdade muito menos "indulgente" que a doutrina
humana da garantia de salvação dos crentes independentemente dos pecados
posteriores à sua conversão, pregada por Lutero.
Dificilmente isso poderia ser considerado venda de lugares no Céu!...
2. A Igreja Católica apoiou a escravidão no Brasil?
Claro que não!
A nossa história começa com uma congregação que anda muita na moda no
meio esotérico de hoje: a Ordo Templi, a Ordem dos Cavaleiros
Templários.
Os Templários eram uma congregação fundada no período das Cruzadas,
com o fim de libertar a Terra Santa. Tratava-se de uma congregação de
monges-guerreiros, que faziam voto de pobreza e castidade.
Surgiam os estados nacionais; as nações começaram a ter um governo
único para cada nação, ao invés de centenas de pequenos nobres, cada
qual com seu feudo. Nesse tumulto foi fechada por bula papal a Ordem dos
Templários, acusada de crimes hediondos.
Muitos lucraram com o fim desta congregação , apossando-se de seus bens, que não eram poucos.
Já em Portugal, houve um estranho fenômeno: surgiu uma outra
congregação, chamada a Ordem de Cristo. Esta congregação reuniu os
templários ibéricos e os bens da congregação.
D. João III, Rei de Portugal, recebeu em 1522 o título de grão-mestre
da Ordem de Cristo, título hereditário que garantia ao Rei direito de
governo religioso. Com isso D. João estava em condições de apontar
bispos e padres, sendo um pequeno papa em seu território.
Isso era chamado de Padroado.
Devido ao Padroado, a Igreja no Brasil pouca ligação tinha com a Sé
de Roma. Os reis ignoravam o Papa, apontando bispos de sua preferência
para as sés importantes, assumindo a coordenação de todo o aparato da
Igreja. A Igreja no Brasil estava em mãos do Rei de Portugal.
Uma exceção eram os jesuítas, congregação fundada por Santo Inácio de
Loyola, que não obedece ao ordinário local, apenas ao Papa. Os jesuítas
na América do Sul fizeram um trabalho maravilhoso, procurando
evangelizar os índios, acabando com o canibalismo, instituindo uma
língua franca (o nheengatu, ou Língua Geral), formando em suma uma nação
indígena que os portugueses respeitariam.
Por irem contra os interesses portugueses, impedindo a escravização
dos índios, acabaram expulsos do Brasil por ordens do Marques de Pombal
em 1759.
Quando falamos de Igreja no Brasil colonial, portanto, temos os
jesuítas, fiéis ao Papa e à Doutrina da Igreja (que prega serem os
índios livres por natureza, não podendo ser escravizados), e a Igreja
sob o Padroado, aquela que não ouvia o Papa e obedecia ao rei e seus
interesses.
Os jesuítas chegaram a fazer uma república democrática com os índios
guaranis, posteriormente dizimados a mando dos reis ibéricos.
Exemplo do que é e sempre foi a doutrina da Igreja (não do Rei) pode
ser encontrado nas encíclicas de Leão XIII LIBERTAS (liberdade) e
CATHOLICAE ECCLESIAE (Igreja Católica); a primeira, endereçada aos
Bispos do Brasil em 1888, faz um apanhado de toda a história da luta da
Igreja contra a escravidão; a segunda, endereçada aos missionários
africanos, mostra a importância da luta contra a escravização dos
nativos.
Podemos afirmar sem erro que aqueles no Brasil que apoiavam a
escravidão estavam na verdade levantando-se contra a Sã Doutrina da
Igreja Católica e desobedecendo ao Papa.
3. A Igreja Católica matou milhares de judeus na Inquisição Espanhola?
Claro que não!
O problema, mais uma vez, é a submissão da Igreja ao Estado que surgiu na medida em que os estados nacionais se organizaram.
Quando, como ocorria na época, um rei passa a ter poderes sobre a
ação da Igreja, sobre quem deve receber a sucessão dos apóstolos, a
Igreja se vê de mãos atadas.
Naquela época o rei estava estendendo o seu poder muito além do que
os reis anteriores haviam estendido; um interdito papal (proibição de
ministério sacramental) não os teria parado, e provavelmente se isso não
houvesse ocorrido a Igreja não estaria mais aqui.
A Inquisição foi feita por pessoas da Igreja, no sentido de terem as
ordens sacerdotais e até episcopais, mas isso não quer dizer que ela
tenha sido uma ação da Igreja.
As pessoas hoje, acostumadas com a separação de Igreja e Estado,
tendem a considerar a Inquisição como uma espécie de prática de natureza
religiosa e exclusiva da Igreja.
Ora, a Inquisição existiu tanto entre católicos como entre protestantes.
Todos os horrores da Inquisição foram perpetrados em nome de Cristo,
mas ela não é o triste apanágio do catolicismo que a imprensa leiga faz
crer.
Vejamos o caso da Inquisição da Espanha, por exemplo, que foi a mais virulenta dentre as católicas:
A Espanha havia sido território mouro (muçulmano) por 800 anos,
sofrendo então retomada semelhante à de Israel pelos judeus após a
segunda guerra.
A guerra da reconquista da Espanha foi enorme; todo o território que
ia sendo recuperado aos mouros estava dividido em vários reinos, que em
1340 acabaram formando apenas dois: Castilha e Aragão.
Então se casaram Isabel de Castilha, dona de metade da Espanha e Fernando de Aragão, dono da outra metade.
Os dois começaram um programa para recolocar a Espanha de pé. Desde o
tempo dos califas, a maior parte da administração era composta por
judeus, que ocupavam ministérios e dominavam o mercado financeiro. Entre
eles estava o grande sábio Isaac Abravanel, teólogo, pesquisador da
Palavra de Deus, financista brilhante e antepassado do Silvio Santos.
Os judeus eram preferidos basicamente porque não eram muçulmanos, mas
haviam vivido sob a dominação muçulmana, sendo pessoas cultas que já
sabiam o funcionamento de um governo civil.
A Igreja na Espanha estava já naquele momento sob absoluta tutela do
Estado, com regime de padroado (governo apontando bispos, etc.) e o
escambau.
Quando já havia um certo número de jovens nobres espanhóis católicos
preparados para assumir as funções de poder financeiro e legal, um
movimento começou entre a nobreza espanhola para botar os judeus para
fora.
Trata-se, portanto, de um movimento racista surgido entre a nobreza,
movida por ganância de poder material. Era necessário, para eles, criar
um sistema de apadrinhamento, perpetuando assim o seu poder em uma época
em que não mais havia guerras para subir na vida. Eles tinham que
passar a dominar os mecanismos do mercado e da administração pública,
tirando-a dos eficientes judeus e colocando-os em poder de sua
panelinha.
Isso foi feito através de leis civis que impediam o acesso de judeus a
cargos de confiança (a rigor, qualquer cargo na administração pública).
Muitos judeus então se converteram ao cristianismo nominalmente, apenas
para poder continuar trabalhando.
Em 1481 foi apontado Torquemada como Grande Inquisidor, para
descobrir os judeus que se haviam convertido mas não acreditavam na fé
católica e seguiam o judaísmo às escondidas. É mais que evidente que
isso não era causado por desejo de garantir que alguém fosse para o céu,
mas sim por cobiçarem os nobres os bens materiais e a posição social
dos judeus.
A população judaica que seguia a sua religião sofria com impostos
cada vez maiores e outras medidas civis, mas não era tocada pela
Inquisição, que só tem poderes sobre os batizados.
Como os bens do falso cristão iriam para a pessoa que o denunciasse,
esta foi a forma de ascensão escolhida por muitos nobres de Espanha.
Até que, simultaneamente à conquista do reino mouro de Granada, em
1492, foi assinado um decreto expulsando os judeus da Espanha. Chegava a
seu auge a perseguição iniciada pela gananciosa nobreza espanhola.
Desconfia-se, inclusive, que Cristóvão Colombo teria apressado a sua saída da Espanha por ser um cripto-judeu.
A partir de 1492, a coisa era simples: o judeu pego na Espanha
perderia seus bens e seria expulso. O judeu convertido seria vigiado
para ver se havia sido uma conversão real.
E o prêmio para o delator ainda estava de pé.
Ou seja: foi um crime? Foi.
Mas não foi um crime da Igreja. Toda a ação foi movida por ganância
de poder da nobreza espanhola, que devido ao momento histórico tinha
virtual controle da Igreja na Espanha.
Podemos dizer que a nobreza teoricamente católica da Espanha matou milhares de judeus, mas não que a Igreja Católica o fez.
Autor: Carlos Ramalhete - Livre cópia e difusão do texto em sua íntegra com menção do autor