A Bíblia é imprescindível para a Igreja Católica?
É importante observar que a Bíblia, tal como a conhecemos hoje, não surgiu “do nada”, nem “caiu pronta do céu”, ao contrário, é fruto de um longo processo de redação e de compilação, processo esse que, iniciado pelo povo hebreu, no seio do judaísmo, veio a ser concluído tão-somente quando a Igreja deu a palavra final no que se refere ao cânon sagrado, ou seja, à lista dos livros que deveriam compor a Bíblia. Essa lista não se fez sozinha nem se “auto-legitimou”, tendo sido necessária a intervenção da autoridade religiosa competente:
"O estabelecimento definitivo de um cânon de livros sagrados é sempre competência da autoridade religiosa, que, através de uma ‘definição conciliar’ ou de outra forma de decisão por via da autoridade, fixa a lista dos livros canônicos e exclui ao mesmo tempo os livros não admitidos.” [1]
É interessante ressaltar que nos primórdios do cristianismo havia uma grande quantidade de textos “candidatos” a ingressar no cânon bíblico, como demonstra o Prof. Alessandro Lima, co-fundador deste apostolado, em sua importante obra “O cânon bíblico: a origem da lista dos livros sagrados”:
“Com a morte de todos os Apóstolos, já no início do segundo século, seus discípulos assumem seu Ministério, confirmando toda a Igreja na Doutrina Apostólica que receberam pessoalmente de seus mentores. Neste período começaram a aparecer seus próprios escritos. Dentre eles se destacam a Primeira Carta de Clemente aos Coríntios, as sete Cartas de Inácio de Antioquia, as Cartas de Policarpo de Esmirna, as cartas de Pápias de Hierápolis e etc. Muitas destas cartas eram recebidas como canônicas pelos fiéis.
Como se vê, o conjunto de livros que deveriam ser considerados canônicos pela Igreja Cristã ainda era uma grande interrogação nos primeiros séculos.
A literatura oriunda dos grupos heréticos começou a confundir os primeiros cristãos, porque estas lhes eram apresentadas como escrituras oriundas dos Apóstolos (ex.: o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, etc.); e aos poucos foram tomando lugar nos estudos catequéticos e nas celebrações de culto.
É neste contexto que a literatura cristã pós-apostólica cresceu de forma exponencial, pois vários textos em defesa da antiga Fé Apostólica foram produzidos contra os grupos heréticos. Nesta disputa, um tema que não poderia faltar, é claro, são os livros que deveriam ser considerados canônicos.” [2]
Dessa forma, os primeiros não tinham à mão a Bíblia como a conhecemos hoje, e sim uma grande variedade de textos, sem que se soubesse exatamente quais poderiam (e deveriam) ser considerados canônicos. Em outras palavras, nos primórdios da fé cristã a Bíblia, no sentido de um conjunto fechado de livros (como é hoje), simplesmente não existia! Nessa época, tudo que existia era o testemunho dos Apóstolos e dos seus discípulos, e a autoridade da Igreja, até que essa mesma autoridade definisse o cânon bíblico, ou mais especificamente, o cânon do Novo Testamento, o que só veio a acontecer por volta do século IV:
“O cânon neotestamentário que se imporá mais tarde no concílio de Calcedônia (451) é o mesmo encontrado já em Atanásio (296-373): 4 evangelhos, At, 7 Cartas apostólicas (Tg, 1-2Pd, 1-2-3Jo, Jd), 14 Cartas de Paulo (incluída Hb) e Ap. Muitos manuscritos de origem egípcia do século IV seguem esta ordem de livros.
A mesma lista se encontra em Anfíloco, bispo de Icônio (+ 394), na ordem que prevaleceu mais tarde: Hb depois de Fm e as cartas católicas depois das paulinas.
Inclusive igrejas que não chegaram a aceitar as decisões do concílio de Calcedônia reconheciam esta lista de 27 livros canônicos, os mesmos da relação estabelecida muito mais tarde por Trento.” [3]
A partir do que foi exposto podemos fazer as seguintes inferências:
Os primeiros cristãos não tinham à sua disposição a Escritura Sagrada tal como a conhecemos hoje, mas sim uma variedade de livros cuja canonicidade variava de acordo com as opiniões então existentes;
Essa situação de indefinição perdurou durante mais de 300 anos, até que a Igreja, com a autoridade que lhe é intrínseca, proclamou a lista dos livros canônicos. Antes dessa proclamação a Bíblia que nós conhecemos hoje realmente não existia;
Durante os primeiros 300 anos da Era Cristã, a palavra final em matéria de fé e de moral, isto é, em matéria de doutrina, cabia à Igreja , e podemos dizer que continuou a ser assim durante os 1.100 anos seguintes, até que: 1) a invenção da imprensa, por volta do século XIV, colocou a Bíblia ao alcance de mais pessoas (o primeiro livro impresso por Gutemberg, considerado o inventor da imprensa, foi justamente a Bíblia, em 1455); e 2) pouco mais de 50 anos depois disso eclodiu a chamada “Reforma Protestante”, engendrada e impulsionada por interpretações particulares da Bíblia, feitas à margem da autoridade da Igreja (ao contrário do que foi feito nos 1.500 anos precedentes!).
Dessa forma, resta claro que o problema não está na existência da Bíblia em si, mas sim nas interpretações que foram e continuam a ser feitas desrespeitando-se e desprezando-se a autoridade da Igreja, autoridade essa sem a qual, “ironicamente”, a Bíblia que os protestantes esgrimam contra a Igreja Católica não existiria!
Sendo assim, pode-se perguntar: por que Deus quis, por intermédio da Sua Igreja, constituir uma Escritura Sagrada, visto que, séculos mais tarde, essa mesma Escritura viria a dar ensejo a tanta discórdia e desunião? O Catecismo da Igreja Católica nos ajuda a encontrar uma resposta para essa questão:
“101. Na condescendência de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em palavras humanas: ‘Com efeito, as palavras de Deus, expressas por línguas humanas, fizeram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens’.
(...)
104. Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra incessantemente seu alimento e sua força
A Bíblia é, pois, um ato de bondade e de misericórdia de Deus, que quis vir ao nosso encontro e falar conosco em palavras humanas, assim como Cristo assumiu a forma humana, tornando-se semelhante a nós. Não obstante, a Bíblia não poderia (nem pode) jamais ser abstraída da Tradição e da Igreja no seio da qual foi gerada. É o que também nos ensina o Catecismo:
“84. ‘O patrimônio sagrado’
85. ‘O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo’
86. ‘Tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino, com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe, e deste único depósito de fé tira o que nos propõe para ser crido como divinamente revelado
87. Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo a seus apóstolos: ‘Quem vos ouve a mim ouve’ (Lc 10,16 ), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que seus Pastores lhes dão sob diferentes formas.”
Assim, somente em consonância com a única Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja Católica Apostólica Romana, e à luz da Tradição e dos ensinamentos do Magistério, é que podemos conhecer a verdadeira interpretação da Escritura Sagrada, interpretação essa que está acima dos “questionamentos” subjetivistas e dos “aproveitadores, que usam a palavra como meio de enriquecimento pessoal”, e a única interpretação capaz de evitar “confrontos e dissidências”.
De: facebook.com/ApologistasdaSaDoutrina
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