U. A. M. (Vila Velha) : «Quais as posições que os fiéis devem tomar durante a celebração da S. Missa ? Há diversos costumes referentes ao ajoelhar-se, ao levantar-se e ao sentar-se!».
O assunto proposto é aparentemente secundário, pois trata de um cerimonial que, à primeira vista, deveria ficar entregue aos critérios de piedade de cada um dos interessados. Contudo tal não se dá, principalmente pelo motivo de que a S. Missa é ato essencialmente comunitário, ato em que todos os fiéis devem ter consciência de que desempenham uma função da Comunhão dos Santos. — Sendo assim, consideraremos abaixo as posições que os fiéis poderiam com acerto tomar durante o rito da S. Missa; todavia, a fim de fundamentar melhor a resposta, trataremos previamente do significado que possa ter o corpo humano na celebração do culto em geral.
1. O simbolismo do corpo humano
1. Ouve-se por vezes dizer que a Religião ensinada por Cristo é toda espiritual, visando prestar a Deus Pai um culto «em espírito e verdade» (cf. Jo 4,23s). Em consequência, deveria o Cristianismo desprezar todo ritual.
Esta afirmação, por muito plausível que pareça, não deixa de ser ilusória. Jesus, mediante a expressão citada, quis apenas chamar a atenção dos seus discípulos para o papel primacial que compete às faculdades espirituais do homem (a inteligência e a vontade) na celebração do culto religioso ; é, sim, de maneira inteligente e com amor que Deus quer ser cultuado pela criatura racional; isto, porém, não dispensa a participação das faculdades corpóreas nos atos de adoração ao Criador, pois o homem foi, pelo Senhor Deus, dotado de uma natureza que é, ao mesmo tempo, espiritual e corporal, natureza que em sua totalidade deve dar glória ao seu Autor (cf. «P. R.» 15/1959, qu. 3).
Em verdade, o homem nesta terra, por muito místico que seja, jamais poderá dispensar o concurso dos sentidos e das coisas corpóreas, a fim de viver apenas segundo o espírito ; por sua natureza psicossomática, o ser humano se acha profundamente relacionado com o mundo sensível; consciente ou inconscientemente, todo indivíduo está o dia inteiro a jogar com símbolos e figuras, mediante os quais raciocina e concebe suas idéias.
Em particular, o corpo humano é o veículo nato para exprimir os afetos e a vida da alma, mesmo no terreno meramente profano: assim a tristeza tende a se externar mediante lágrimas, ao passo que a alegria se traduz espontaneamente pelo sorriso. Tenha-se em vista outrossim o simbolismo do corpo no convívio social: há, sim, ocasiões nas quais espontaneamente entendemos que nos devemos levantar em presença de um personagem de autoridade ou que devemos tirar o chapéu ou tomar cuidado para não virar as costas.
De modo especial seja mencionado o aperto de mãos: quando dois adversários se reconciliam entre si, estendendo a mão um ao outro, cada um deles aperta mais do que carne e ossos; apalpa por dizer, mediante a mão toda a personalidade do outro (amor, fidelidade, magnanimidade, dedicação...); tudo que no indivíduo é espiritual, se torna concreto e é simbolicamente apreendido no aperto de mãos... À luz desta observação, entende-se a expressão: «pedir a mão de uma donzela» (= pedir o amor, a compreensão e a "dedicação intimas...).
Pode-se dizer de modo geral que todos os gestos do corpo humano, desde que executados de maneira humana e não meramente mecânica, são as expressões mais adequadas, por vezes mesmo necessárias, dos afetos que cada personalidade nutre em seu íntimo.
Inegavelmente, o gesto recobre e exprime uma escala de sentimentos ainda mais ampla do que a palavra. Antes que alguém possa dizer o que experimenta na alma e quando já não o pode manifestar por palavras, resta-lhe sempre o recurso, muito eficaz, aos gestos: sim, antes de afirmar seu medo, a pessoa ameaçada recua ou dá um passo para trás; antes de afirmar o seu amor a criança e o adulto estendem os braços para o ente amado; quem, na hora das despedidas, não pode mais fazer ouvir suas palavras, ainda se exprime mediante um agitar de lenço...
Pois bem; baseada na estrutura psicossomática do homem, estrutura concebida pelo próprio Criador, a Santa Igreja, ao prestar culto ao Senhor, explora largamente o valor simbolista do corpo ; Ela visa fazer que este reze juntamente com o espírito.
A estima do simbolismo do corpo no culto sagrado se prende, em última análise, à fé no mistério da Encarnação. Com efeito, o Filho de Deus não quis remir o mundo de maneira invisível ou meramente espiritual, mas, nascendo de Maria Virgem, dignou-se fazer da natureza humana o veiculo da salvação eterna; com isto, corroborou o valor que o corpo humano tem no plano religioso e, consequentemente, na LITURGIA sagrada. Verifica-se que um exíguo apreço dos sinais visíveis no culto cristão implica exígua estima da face visível da Igreja como também exígua estima do próprio mistério da Encarnação. Lutero, que menosprezou de modo geral o aspecto visível do Cristianismo, dizia: «Cristo possui duas naturezas. Em que isto me afeta ?» (Obras, ed. Erlangen 35, 207). Ao contrário, famoso autor cristão do séc. III, Tertuliano, reconhecia o significado capital que a Encarnação conferiu à carne humana, afirmando: «A carne é o eixo da salvação. É por ela que nossa alma se une a Deus».
À guisa de conclusão, transcrevemos aqui um texto em que o episcopado francês se exprimiu recentemente a respeito das posições do corpo durante a celebração dos ritos sagrados:
«Essas atitudes têm valor educativo: a atitude do corpo influi sobre a da alma. Nossos fiéis muito frequentemente esquecem que, para a fé católica, o corpo não é desprezível nem indiferente. É o servo da alma, seu instrumento de ligação com as realidades exteriores, tais como a comunidade cristã ou os sacramentos; o corpo é o intérprete da alma; existe uma oração do corpo associada à da alma» (Directoire pour ia Pastorale de la Messe 1956, n« 127).
2. Descendo agora a mais pormenores, expomos abaixo o sentido próprio de cada uma das três principais atitudes visíveis que uma assembleia religiosa possa assumir.
a) A posição «de joelhos» significa humildade, penitência, adoração. Efetivamente, o homem pequenino ou humilde em seu espírito tende a tornar pequenino também o seu aspecto externo ; é o que se dá por excelência quando o cristão toma consciência viva da presença de Deus; baixa então a cabeça, dobra o tronco, posta-se mesmo sobre os joelhos, quase para poder dizer com mais sinceridade : «Meu Deus, sois grande, sois santo, ao passo que eu sou poeira e pecado».
Por isto, recomenda-se que quem faz genuflexão ou dobra os joelhos no culto sagrado, não o faça de modo precipitado nem mecânico; procure dobrar, por assim dizer, ao mesmo tempo os joelhos do seu coração, de sorte a repetir com toda a sua personalidade as palavras do Apóstolo: «Senhor meu e Deus meu !» (cf. Jo 20,28).
b) A atitude «em pé» designa respeito, prontidão para ouvir e executar, assim como alegria e ação de graças pelos imensos benefícios divinos.
Não nos é espontâneo levantar-nos, quando, sentados, ouvimos que uma pessoa de autoridade nos dirige a palavra? Esse levantar significa que concentramos as nossas forças e nos tornamos disponíveis para realizar a mensagem.
Os antigos cristãos rezavam frequentemente em pé, como lembra a figura da orante nas catacumbas : erguida, com os braços abertos, significa uma alma desembaraçada de entraves terrestres, aberta para Deus e sua palavra. Até a Alta Idade Média não havia bancos nem genuflexórios nas igrejas, o que bem denota que a posição mais frequentemente assumida no culto sagrado era a posição erguida.
Os cristãos que se colocam nessa atitude, façam-no disciplinadamente sem se apoiar nem encostar, tendo as duas pernas tesas e firmes...
c) A atitude «sentada» no culto religioso não significa simplesmente repouso, mas é a posição de quem ouve e medita ou contempla. Lembra o papel de Maria de Betânia, que «se achava sentada aos pés do Senhor, escutando a sua palavra» (cf. Lc 10, 39).
Conscientes do significado de cada uma das três posições acima focalizadas, os pastores de almas têm procurado adaptá-las ao conteúdo das principais fases de celebração da S. Missa. Abaixo comunicaremos ao menos um ensaio feito recentemente neste sentido.
2. As posições dos fiéis durante a S. Missa
Quem vai à S. Missa, não vai simplesmente praticar um ato de adoração ao Senhor Eucarístico (como é o caso, por exemplo, de quem faz uma visita ao SSmo. Sacramento). Verdade é que a adoração constitui a atitude básica de toda a vida do cristão (por conseguinte, também do culto religioso); isto, porém, não impede que a Santa Missa seja tida como «mistério em ação» ou como «ação sagrada por excelência» (note-se, logo no início do Cânon ou da parte central da Missa, a rubrica «Infra actionem», isto é, «durante a ação sagrada»). A Missa é, sem dúvida, o grande ato pelo qual Cristo, perpetuando a oblação feita no Calvário, se entrega diariamente ao Pai com toda a sua Igreja; o que quer dizer :... com cada um dos membros do Corpo Místico, feitos participantes, em grau próprio, das qualidades de Cristo Sacerdote e Vítima.
Além disto, observe-se que a S. Missa se celebra em dois tempos bem caracterizados: o primeiro é a chamada «Missa dos Catecúmenos» ou também «Ante-Missa», a qual consta de leituras, orações e cânticos, com o fim de instruir os fiéis e excitá-los à meditação afetiva das verdades da fé. O segundo tempo constitui o culto eucarístico propriamente dito, pois ele se exerce em torno do pão e do vinho.
Já estas considerações dão a ver que não condiz com o espírito da própria S. Missa adotarem os fiéis uma atitude única, do principio ao fim da celebração ; deve, ao contrário, haver uma variedade das posições da assembleia, de acordo com as diversas partes do rito sagrado.
Está claro que essa variação não há de ser estipulada por indivíduos particulares, mas compete às autoridades eclesiásticas, as quais têm o encargo de zelar pela disciplina e a uniformidade do culto cristão. Sendo assim, limitamo-nos aqui a transcrever as normas recém baixadas pelo episcopado francês para as dioceses da França, normas inspiradas tanto pela experiência pastoral como pela mente da Santa Sé:
«É conveniente explicar aos fiéis o significado e o valor pedagógico dessas diversas posições, para que possam compreender que não as exigimos por mania nem por autoritarismo, mas a fim de orientar a sua oração conforme as diversas fases da ação, visando uma participação ativa e comunitária.
... Podem-se propor as seguintes regras gerais :
A assembleia deve ficar em pé: quando o celebrante chega ao altar e dele definitivamente se afasta; durante o Evangelho; quando o sacerdote se dirige aos fiéis («Dominus vobiscum, Orate fratres, Ite Missa est...») ou recita em nome de todos a Coleta, o Prefácio, o «Pater noster». a Postcomunhão.
A assembleia sentar-se-á durante a epístola e os cantos de meditação que a seguem (Gradual, Trato, Aleluia); durante os avisos e o sermão; durante o Ofertório, após o «Dominus vobiscum» do celebrante; pode-se, além disto, ficar sentado entre as abluções finais e o «Dominus vobiscum» que precede a Postcomunhão.
Os fiéis estarão de joelhos durante a Consagração. Podem permanecer ajoelhados entre a elevação e o «Pater noster» e, nas Missas não cantadas, durante as orações ao pé do altar» (Diretório já citado, nn. 131. 133-135).
Visando facilitar o aproveitamento das instruções acima, colocamo-las na ordem de desenvolvimento da celebração da Missa não cantada:
- Entrada do celebrante na igreja: fiéis em pé.
- Orações ao pé do altar: ... ajoelhados.
- Introito, Kyrie, Glória, Coleta: ... em pé.
- Epístola, Gradual, Trato, Aleluia: ... sentados.
- Evangelho: ... em pé.
- Sermão: ... sentados.
- Credo e «Dominus vobiscum»: ...em pé.
- Ofertório: ... sentados (o Ofertório é concebido como preparação da matéria do sacrifício; no rito lionês, ainda hoje em uso na Ordem de S. Domingos, faz-se logo que o celebrante chega ao altar).
- Do «Orate fratres» ao fim do «Sanctus»: ...em pé.
- Do fim do «Sanctus» ao «Per omnia saecula saeculorum» anterior ao «Pater noster»: ... ajoelhados (ou, se não, após a Consagração os fiéis ficam em pé).
- Do «Pater noster» ao «Confiteor» que antecede a Comunhão: ... em pé (o celebrante realizava antigamente um serviço prático, isto é, a partição do pão, outrora necessária, pois os fragmentos eucarísticos que se achavam sobre o altar, eram grandes...). — Esta norma, porém, no Brasil parece exigir reservas, pois há lugares em que os fiéis têm o hábito inveterado de ficar ajoelhados do «Sanctus» até a S. Comunhão.
- Durante a distribuição da S. Comunhão: quem não comunga, fique ajoelhado, se possível.
- Durante as abluções até o «Dominus vobiscum» seguinte: ... ajoelhados ou em pé (caso seja necessário, sentados).
- Do «Dominus vobiscum» ao «Ite Missa est» ou «Benedicamus Domino»: ... em pé.
- Bênção: ... ajoelhados.
- Último Evangelho: ... em pé.
- Preces finais: ... de joelhos.
- Saída do celebrante: ... em pé.
Como se compreende, a transcrição de tais normas nesta Revista visa apenas ajudar e construir; a aplicação das mesmas (a qual supõe que os fiéis saibam o que se está realizando no altar) ficará sempre subordinada ao critério dos Exmos. Srs. Bispos e dos Revmos. Párocos.
P. S. A pág. 171 deste fascículo falamos da insuficiência da palavra para exprimir o que se encontra no íntimo do homem. À guisa de complemento e ilustração, seja ainda observado o seguinte:
Num congresso comemorativo do centenário do livro «A origem das espécies» de Darwin, um neurólogo do Londres, o Dr. Macdonald Critchley, declarou :
«A linguagem oral só permite ao homem exprimir, de modo inteligível, 60% do que ele pensa. Quanto ao ouvinte, ele só compreende 60% do que ouve» (notícia colhida na revista «Science et Vie», fevereiro de 1960, pág. 35).
Esta estatística ajuda a ver quão pouco acertada é a tendência a desprezar os meios de expressão (como os gestos e as atitudes do corpo) de que o homem dispõe além da palavra.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
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