O raciocínio absurdo é mais ou menos como este: “por que não posso decidir se uso ou não o cinto de segurança, já que o corpo é meu?
É interessante como o conceito de direito de propriedade se amplia ou limita de forma interesseira por alguns. O direito de propriedade tem limites? Parece que sim, não é mesmo? Na sociedade moderna, é evidente que há limites aceitos por todos.
Se o corpo é meu, posso fazer com ele o que eu quiser? Talvez não, e para isso existem leis que obrigam a usar o cinto de segurança, que impedem a aquisição de algumas substâncias ilegais ou a ausência de regulação sobre a eutanásia.
Todos nós, de uma maneira ou de outra, aceitamos estas limitações ao direito de propriedade sobre nosso próprio corpo em prol de bens jurídicos muito superiores a este direito tão maleado por alguns. Bens jurídicos como a segurança nas vias, a saúde pública, a solidariedade e o bom exemplo social limitam continuamente nossa liberdade de dispor sobre nossos próprios corpos.
A vida do nascituro é um bem jurídico suscetível de proteção sobre o direito de propriedade? Certamente sim, pelos mesmos motivos expostos anteriormente e, além disso, porque a ideia de que a propriedade do feto ou zigoto seja 100% da mulher é, no mínimo, discutível.
O concebido e não nascido cujo pai falece antes do nascimento tem seus direitos reconhecidos como uma pessoa. Claro, isso se a mãe não decidir deserdá-lo pelo caminho rápido do seu “direito” de decidir (tendo a pensar que, se o pai tivesse muito dinheiro, ela não o faria...).
Mas então, será que o feto é propriedade da mulher? O que está claro é que, pela via natural, uma mulher não pode gerar um filho sozinha, precisa de um homem. Reconheço que a contribuição masculina é mínima, levando em consideração que são as mulheres que cuidam do filho dentro do útero, mas... merecemos pelo menos 1%, não? Nossa contribuição nos dá direito de decidir sobre sua “propriedade” e, se formos justos, ela também é nossa.
Existem outras muitas limitações ao conceito de propriedade na defesa de bens jurídicos muito menos importantes que uma futura vida, por exemplo: o dono de uma plantação poderia tratá-la com produtos nocivos a animais? O proprietário de uma terra em uma área de patrimônio histórico ou proteção ambiental poderia construir à vontade?
Eu poderia maltratar o “meu” cachorro? A vida dos animais estaria acima da cultura de um país ou da forma de vida de milhares de pessoas? Porque os touros não são do vento, são propriedade de alguém. Todos estes bens jurídicos são muito menos importantes que o que estamos discutindo agora e, às vezes, as consequências destas limitações são mito graves para o proprietário afetado.
Em suma, acho que vale muito a pena limitar este mal chamado “direito de propriedade” que tentam nos inculcar como “normal”, em defesa de um bem jurídico indiscutível, como é o caso da vida de um indefeso.
Não concebo o direito de propriedade como algo tão amplo, a ponto de considerar que o aborto em si e porque sim seja um direito. Porque, seguindo este raciocínio, quem está legitimado para escolher o que fazer com a vida? A mãe? O pai? A família? Ou é a criança, que é de quem, afinal, estamos falando?
Este termo, por mais que nos queiram fazer acreditar em outra coisa, implica em um direito substantivo, personalíssimo de cada um. Da mesma forma que os direitos morais das obras audiovisuais e artísticas não são transmissíveis, tampouco é transmissível que alguém diferente de cada um decida o que fazer com a sua vida.
Vale a pena complicar a vida, por mais difícil que seja, porque este abuso do direito de propriedade poderia ter afetado qualquer um de nós, e muito... No entanto, aqui estamos.
De: aleteia.org
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