17 setembro 2014

As ciladas da teoria do gênero - Dom Murilo S.R. Krieger




"Sejamos realistas: nascemos menino ou menina. A procriação necessita de pai e mãe. A criança precisa de pai e mãe para se desenvolver, para construir a sua personalidade."

Nos dias de hoje, pouco a pouco, a palavra “sexo” está sendo substituída pela palavra “gênero”. Antes se falava em “discriminação de sexo”; agora se fala em “discriminação de gênero”. Tudo parece muito inocente. Afinal, “sexo” possui um significado secundário, subentendendo relação sexual ou atividade sexual. “Gênero” parece mais delicado e refinado. Ledo engano, pois, por trás da palavra “gênero”, agora adotada por muitos, para substituir a palavra “sexo”, há uma teoria, um programa e uma política de atuação arquitetados para que venham a prevalecer certos conceitos acerca desse tema… Explico-me.

A teoria do gênero é uma hipótese segundo a qual a identidade sexual do ser humano depende do ambiente sociocultural e não do sexo – homem ou mulher – que o caracteriza, desde o instante da concepção.

Assim, o nosso sexo biológico não seria mais importante do que o fato de alguém ser alto ou baixo, branco ou afrodescendente; a identidade, feminina ou masculina, teria pouco a ver com as características biológicas do nosso corpo, pois essa identidade seria, de fato, imposta pela sociedade. Sem outra escolha, desde a mais tenra idade cada pessoa interiorizaria o papel que supostamente deve desempenhar na sociedade, na condição de homem ou de mulher. Segundo essa teoria, o nosso gênero deveria ser alicerçado na nossa orientação sexual, a qual somos livres para aceitar. Essa orientação poderia ter formas diversas, bem como poderia alterar-se ao longo dos anos.

Em outras palavras: a teoria do gênero subestima a realidade biológica do ser humano. Valoriza, sim, a construção sociocultural da identidade sexual, opondo-a à natureza. Enquanto “sexo” designa a realidade biológica – menino ou menina –, “gênero” designa a dimensão social do sexo. De acordo com essa teoria, o termo “gênero” designa a masculinidade ou feminilidade construída pelo ambiente social e cultural (idioma, educação, modelos propostos etc.). O gênero não dependeria do sexo biológico: seria subjetivo, pois obedeceria à percepção que cada indivíduo tem de si mesmo e da sexualidade que escolheu viver.

As consequências dessa teoria são imensas. Nasce, assim, um novo “modelo” familiar. A família – formada a partir de um casal composto por um homem e uma mulher – não seria mais legítima do que outras formas de “família”.

Biologicamente, todo ser humano é homem ou mulher. Desde o nascimento, a educação e a cultura, absorvidas pelo ser humano em formação, interagindo com o meio social e, sobretudo, com a presença dos pais (pai e mãe) e das pessoas com quem a criança convive, permitem que ela construa, pouco a pouco, a sua identidade de menino ou menina. Assim, a criança forma a sua identidade sexual do ponto de vista psicológico, cultural. É natural que o comportamento social (o gênero) esteja em harmonia com o sexo biológico.

Os adeptos da teoria do gênero pretendem que, por um simples ato de vontade, poderíamos alterar a realidade do que somos, escolhendo a nossa identidade sexual: “Eu não sou o corpo que tenho”. Desconectar o sexo do gênero e considerar que a identidade sexual repousa apenas sobre o gênero resulta em apagar uma evidência anatômica. O nosso corpo mentiria para nós? Adotar essa teoria significa querer uma sociedade baseada numa ilusão.

Sejamos realistas: nascemos menino ou menina. A procriação necessita de pai e mãe. A criança precisa de pai e mãe para se desenvolver, para construir a sua personalidade. Observamos que em casos de dificuldade os psicólogos apelam para o pai e a mãe para solucionar o problema relacional do filho. As respostas do pai e da mãe enriquecem umas às outras, complementam-se e permitem resolver os problemas.

Por fim, lembro o que poderia ter sido colocado no início do texto, e que está no começo da Bíblia: “E o Senhor Deus disse: `Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda´… Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne” (Gênesis 2,18.24).

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil


De: Dom Murilo Krieger



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