29 novembro 2017

Protestante, ativista de esquerda, jornalista, sua vida mudou quando leu tudo sobre Santo Agostinho



A jornalista Elizabeth S. Bruenig viu em Santo Agostinho e no catolicismo uma ferramenta para Deus e para a justiça social

"Fui confirmada durante uma Vigília Pascal muito cedo, às  4 da manhã, na capelania católica da Universidade de Cambridge. Cheguei à capela quando estava escuro, fazia frio, estava húmido e dos clubes noturnos ainda saiam “baladeiros” de sábado noite. Quando cheguei, estava desperta de pura adrenalina, exausta mas alerta. Durante a missa estava como eletrizada, suficientemente consciente como para entender a surpresa, como de sonho, de que uma professora minha sustentava o cálice do que bebia pela primeira vez".

"Quando voltei para casa naquela manhã já era de dia, muito brilhante. [...] Nunca tinha visto as ruas tão plácidas e brilhantes. [...] Me senti mudada quando voltei a minha casa, embora tudo parecia igual: uma pilha desesperada de livros junto a  minha cama, fotocopias sobre minha mesa e as “Confissões” em minha cabeceira. Adormeci feliz, relembrando todo aquele dia".

Assim recorda a jovem jornalista Elizabeth Stoker Bruenig (elizabethstokerbruenig.com) seus primeiros momentos como católica na Páscoa de 2014, descritos na revista norte-americana jesuíta America Magazine.

Desde então, Elizabeth casou-se, teve um bebê , sofreu perdas duras em sua família, escreveu em muitas revistas, viveu o desemprego de seu marido, incertezas, cansaços... e constatou que a fé não é magia, não é "algo privado" para lograr efeitos, mas uma vivência pública de confiança com Deus, na Igreja.

Metodista nos Estados Unidos
Elizabeth foi batizada como presbiteriana nos Estados Unidos, embora depois sua família a educou como metodista. Tinha fé, sabia que a Bíblia era a fonte do ensino cristão, sabia que não devia lê-la literalmente como uma fundamentalista e sabia que era importante ser amáveis e corteses e contar com a ajuda dos pastores, embora ao final cada um estava somente frente a Deus.

Em 2008, com a crise econômica, a jovem Elizabeth, inspirada pelo movimento "Ocupar Wall Street", começou a combinar sua religiosidade sem complexos com uma militância de esquerda social.

Na universidade, já na Inglaterra, conheceu um capelão quaquero e sus encontros de oração silenciosa: sentar-se humildemente em público, meditar sobre Deus e a palavra em silêncio, esperar em silêncio a Deus.

Na universidade se inclinou a ler compulsivamente os textos bíblicos, e a história de como se criaram, e as críticas a esta história. Entendeu que havia um problema não de interpretação, mas de autoridade. Quem tem autoridade para estabelecer o que quer dizer Deus com tal ou qual texto?

Inclusive uma mudança em um vocábulo pode mudar uma visão política. Por exemplo, São Paulo em 1 Coríntios 13 diz: "Se dou todos meu bens aos pobres mas não tenho “ágape”, de nada me serve". Mas "agape", em grego, foi traduzido como "caridade" e dali saltou à linguajem popular a ideia de que caridade é -quase exclusivamente- dar coisas aos pobres. Mas o que Paulo pede é 'agape' (amor). O mundo muda, as palavras mudam, inclusive as pessoas mudam em sua vida. Com essa palavra (agape ou caritas) uns pedem mais ação estatal e outros mais solidariedade interpessoal.

"Como podia chegar a Deus a base de ler à luz de minha própria consciência se não estava segura de tudo nem sequer do que lia, muito menos de minha capacidade de ler de forma confiável?", pensava Elizabeth, leitora incansável e inquieta.

Um clássico vivo de 16 séculos
Mas então um professor pôs na lista de leituras recomendadas uma autobiografia de um bispo e converso, escrita no ano 398, as "Confissões" de Santo Agostinho. E isso mudou sua vida.

"Comecei a ler a Agostinho compulsivamente. Devorei as Confissões e a Cidade de Deus, depois suas cartas, seus sermões, suas Solilóquios, ou Enquiridão e assim por diante. Sobraram umas 5 milhões de palavras de Santo Agostinho e eu as queria ler todas".

"Amava sua claridade de mente, seu intelecto incrível, seu carisma deslumbrante. Amava, como jovem adulta, toda essa intensidade, a força de seus sentimentos por Deus e pelo mundo, sua paixão. Mas também apreciava o serviço que davam seus textos para navegar por escrituras difíceis. Sem dar-me conta, já estava começando a confiar na tradição da Igreja Católica", comenta Elizabeth.

O que é a Tradição e para que serve?
O que é a Tradição? É a possibilidade de enfrentar-te a um texto, um ensinamento, com toda uma cadeia de correligionários que se enfrentaram antes a ele. Embora cada indivíduo segue usando sua consciência, "o peso do tempo e o ser experts são instrutivos, e sussurram, através do espaço e dos séculos, que não estás sozinha".

Conheceu também um rabino judeu que abordava os textos bíblicos, que a ela lhe soavam, desde a perspectiva de várias centenas de intérpretes prévios, "um pensamento coletivo que aportavam peso e equilíbrio aos juízos dos leitores modernos". 
Quanto mais lia e estudava, mais se convencia de que a Tradição era necessária. "Queria uma guia, claridade, autoridade... Deus não deixou a Adão sozinho no Éden, e isso que estava mais próximo a Deus do que estamos hoje. Necessitava ajuda e Deus a deu. Comecei a ver que Deus fazia o mesmo comigo e só tinha que aceita-la".

Uma base cristã contra os abusos dos fortes
Elizabeth não era então, nem agora, conservadora em política. Mas apreciava que a cultura católica era capaz de expor questões a nossa época que ninguém mais ousa expor. Por exemplo, os limites da propriedade privada. Quando no século XVI os protestantes anabaptistas lançaram revoluções sangrentas estabelecendo a propriedade comunal radical, os luteranos e calvinistas se assustaram, e como reação estabeleceram uma série de ensinamentos solidificando a propriedade privada.

O catolicismo, por outro lado, equilibra esta propriedade com o destino universal dos bens. Como escrevia Santo Agostinho: "Deus fez ao pobre e ao rico da mesma argila e a mesma terra sustenta ao pobre e ao rico".

 A Igreja Católica sempre vigiou a tendência dos ricos a acumular mais do devido em detrimento dos pobres", escreve Elizabeth.

"Quando acabava meu tempo na universidade, estava já convencida da visão católica era o único solo firme desde o que um cristão pode combater a dominação dos ricos sobre os pobres, contra a pobreza, contra a destruição de famílias em mãos de negócios e seus lacaios políticos, contra um mundo despojado de significado", escreve.

Tudo isso foi o que n Páscoa de 2014 a levou a seu ingresso na Igreja Católica, com essa confirmação e esse cálice que sua mente conserva vívida.




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