26 março 2015

Por que Cristo se angustiou diante da morte?



Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo Segundo João (Jo 12, 20-33)


Enquanto a Paixão nos Evangelhos Sinóticos se inicia basicamente com a agonia de Cristo no Horto das Oliveiras, o Evangelho de São João não narra a agonia do Horto, senão nestes dois breves versículos: "Agora sinto-me angustiado. E que direi? 'Pai, livra-me desta hora?' Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!" (Jo 12, 27-28).

A Primeira Leitura se refere ao mesmo episódio, quando narra que "Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte" (Hb 5, 7). De fato, no Horto das Oliveiras, a alma de Cristo já agonizava, antes que começasse o Seu sofrimento físico. São Marcos, por exemplo, detalha que Cristo "começou a sentir pavor e angústia" e "uma tristeza mortal" (cf. Mc 14, 33s). São Lucas, por sua vez, chega a dizer que "seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam no chão" (Lc 22, 44).

À vista disso, cabe perguntar como é possível que Nosso Senhor, sendo Deus, tenha enfrentado tamanha angústia diante da morte. Não era mais conveniente que Ele passasse por tudo com impavidez, imperturbabilidade e ataraxia? Por que ficou tão angustiado diante da morte o próprio Filho de Deus?

Santo Tomás de Aquino, em um de seus muitos comentários a essa passagem da vida do Verbo, escreve que "Christus elegit tristitiam, inquantum utilis erat ad redemptionem humani generis – o Cristo escolheu a tristeza enquanto era útil para a redenção do gênero humano" [1]. Foi esta a causa final do Seu sofrimento: a salvação da humanidade. Cada lágrima que Ele chorou e cada gota de sangue que suou estavam repletas da eficácia de Sua redenção. Impassível no Céu, Deus Se fez homem para sofrer e demonstrar o Seu grande amor pelo gênero humano.

Ainda o Doutor Angélico, ao falar da dor física de Nosso Senhor, explica que "a extensão do sofrimento pode ser considerada pela sensibilidade do paciente". O fato de Ele possuir "uma ótima compleição física (optime complexionatus)" fazia com que fosse "acutíssimo nele o sentido do tato (maxime viguit sensus tactus), com o qual se percebe a dor" [2]. Esse fato mostra por que, ainda que haja torturas piores do que a crucificação, a dor de Nosso Senhor foi a maior que qualquer homem jamais sofreu na face da Terra.

Ao elencar uma das causas da dor de Cristo, o Aquinate menciona inclusive "a perda da vida corporal, que por natureza é horrível à condição humana" [3]. Ora, como foi isso? Como podia ser que "a perda da vida corporal", aparentemente tão esperada pelos santos – lembre-se, por exemplo, de Santa Teresa, que morria por não morrer [4], ou de São Paulo, para quem viver era Cristo e morrer era lucro (cf. Fl 1, 21) –, fosse causa de repugnância a Nosso Senhor?

"É próprio do homem virtuoso amar a sua vida", ensina o mesmo Tomás. "O Cristo foi virtuosíssimo. Logo, amou a sua vida de modo superlativo (maxime suam vitam dilexit). Por isso, a dor pela perda de sua vida foi máxima" [5]. Os santos só ansiavam a morte porque queriam estar com Deus, mas a morte, em si mesma, é objeto de repugnância para qualquer homem sadio. Os mártires da Igreja, por exemplo, morreram não porque odiavam a vida presente, mas porque amavam a Deus e sabiam que isto valia mais do que a sua própria existência neste mundo (cf. Sl 62, 4). Nas palavras do Evangelista, "quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna" (Jo 12, 25).

Aqui reside a grande diferença entre um suicida e um mártir, entre um homem-bomba e um santo católico. Como diz G. K. Chesterton:
"Um mártir é um homem que se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal. Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro, que tudo acabe. (...) Este homem [o mártir] jogava fora a sua vida; ele era tão bom que seus ossos secos podiam curar cidades durante a peste. Aquele homem [o suicida] jogava fora a sua vida; ele era tão mau que seus ossos poluiriam os de seus irmãos." [6]

Nosso Senhor, porém, continua Tomás,
"Sofreu não apenas pela perda da própria vida corporal, mas também pelos pecados de todos os homens. Dor essa que nele excedeu todas as dores de qualquer pessoa contrita, seja porque proveniente de uma sabedoria e caridade maiores, que fazem aumentar a dor da contrição, seja também porque foi uma dor por todos os pecados ao mesmo tempo, conforme está em Is 53, 4: 'Na verdade, são os nossos sofrimentos que ele carregou'." [7]

Para realizar a Sua missão, a Pessoa Divina de Cristo deu ao seu conhecimento humano um modo divino de conhecer os homens e ver os seus pecados. Por isso, Jesus, no Getsêmani, se angustiava profundamente, vendo como as faltas dos homens ofendiam o coração de Deus. Assim também procedia São Domingos de Gusmão, que, tendo recebido "o dom de uma caridade imensa", "permanecia na igreja dia e noite sem descanso, entregue à oração" e chorando "pelos pecadores, pelos aflitos e desgraçados"[8].

Neste Domingo, tomemos a resolução de amar a Deus muito mais do que a nossa vida, abraçando a Sua vontade, ainda que isso cause a dissolução de nosso composto, corpo e alma. Coloquemos também diante d'Ele o desejo de reparar os nossos pecados e consolar o Seu coração. No Horto, enquanto agonizava, "apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia" (Lc 22, 43). Sejamos como esse anjo e consolemos o coração de Nosso Senhor com nossas penitências e com o nosso amor.

Pe. Paulo Ricardo

Fonte: Christo Nihil Praeponere

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